Haiti: manifestação de grupos religiosos desencadeia dezenas de ataques contra homossexuais

Manifestante segura uma Bíblia enquanto canta slogans
 anti-gays

Preocupante a situação em Porto Príncipe, capital e maior cidade do Haiti, onde há semanas se desencadeou uma verdadeira caçada aos cidadãos LGBT do país. Tudo começou com uma manifestação contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, promovida por grupos religiosos anti-gays e que, de acordo com a mídia local, culminou no assassinato de dois homens identificados como homossexuais. Desde então, há relatos de dezenas de outros ataques.

Ativistas da SEROvie (organização de defesa dos direitos humanos de grupos vulneráveis, incluindo pessoas LGBT), disserem que pelo menos 47 ataques foram registrados, todos contra homens identificados como gays. Os ataques são sempre muito violentos, cometidos por grupos de quatro a seis pessoas que agridem suas vítimas com paus, facões, facas e até blocos de cimento. Muitas das vítimas precisaram de atendimento hospitalar, embora não haja relatos de mais mortes. Alguns tiveram suas casas queimadas e/ou saqueadas. 

Segundo o porta-voz da organização, num dos piores casos, dois homens foram atacados enquanto estavam vendendo objetos no mercado público. "Uma dessas vítimas ficou particularmente confusa, porque pode ver alguns de seus ex-amantes entre os agressores."

"Eles foram agredidos com o que os homens puderam encontrar, incluindo varas de madeira e ferro. Eles então fugiram e foram escondidos por um vizinho. Quando já estavam seguros, eles nos contataram e nós os levamos para o hospital. Eles ficaram com hematomas e cortes profundos pelo corpo."

Ainda segundo o ativista, um dos aspectos curiosos da violência foi a de que, tanto quanto eles sabem, só homens foram atacados. "As vítimas eram pessoas que estavam vivendo suas vidas tranquilamente e tal coisa nunca tinha acontecido antes com eles", disse.

O evento que deu origem à onda de violência ocorreu no dia 19 de julho e foi promovido por uma coalizão de grupos religiosos (grupos cristãos, principalmente evangélicos e muçulmanos), que mobilizou a população para protestar contra um suposto Projeto de Lei que iria aprovar o casamento gay no Haiti, e que estaria sendo votado no Parlamento. Na verdade o tal Projeto nunca passou de um boato. Mesmo antes dos protestos, e já motivadas pela mobilização, gangues começaram a espancar gays já no dia 17 de julho, dois dias antes da marcha liderada pela "Haitian Coalition of Religious and Moral Organizations". O protesto serviu de motivação para uma população castigada pela miséria, que parece ter encontrado nos homossexuais um bode expiatório perfeito para direcionar sua raiva. 

No auge do problema, representantes da SEROvie trabalharam o tempo todo para cuidar das vítimas e estabelecer contatos com o governo. Como resultado desse trabalho, o Ministério da Justiça fez uma declaração condenando a violência e dizendo que os autores seriam levados à justiça. A situação tornou-se tão séria que tanto o presidente do Haiti, Michel Martelly, como primeiro-ministro, Laurent Lamothe, condenaram os ataques. Apesar das dificuldades de se obter mais informações, dada a precariedade dos meios de comunicação do país, a situação parece ter se acalmado nos últimos dias.

A SEROvie se mostrou preocupada e surpresa com a onda de violência homofóbica, até então de intensidade desconhecida no Haiti. O Governo demonstrou estar de fato preocupado com os incidentes, que turvam a imagem do país, justamente no momento em que ele tenta atrair investimentos para tentar se reerguer.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou, através de um comunicado oficial: "É imperativo que o Haiti tome medidas eficazes para evitar a repetição de tais atos de violência e discriminação no futuro. (...) A Comissão recorda que o Estado tem a obrigação de tomar medidas para responder a estas violações de direitos humanos e garantir que as pessoas LGBT possam efetivamente exercer o seu direito a uma vida livre de discriminação e violência, incluindo a adoção de políticas e campanhas públicas. Neste sentido, a Comissão reitera que a ineficácia na resposta do Estado à violência fomenta a impunidade, que por sua vez estimula a repetição crônica desses crimes, deixando as vítimas e suas famílias indefesas. Além disso, a impunidade para esses crimes envia uma mensagem geral para a sociedade que essa violência é tolerada", acrescenta a CIDH.

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