Gays de farmácia

Por: Walter Silva

E um dia você assume sua identidade com orgulho de quem você é e sente que o tempo da vergonha passou. E deste ponto em diante, você se alegra porque vai em busca dos seus, dos que são iguais a você. E você guarda expectativas múltiplas, a principal delas é aquela que faz você pensar que será acolhido da forma como você é.

E então você conhece os outros e descobre uma coisa realmente triste e decepcionante; essas pessoas do seu grupo também estão sob a influência do mainstream, da grande corrente que aprisiona a todos.
Foi assim comigo. 

E dessa forma vejo os gays de farmácia, higienizados, limpinhos, devidamente esterilizados vivendo confortavelmente no seu vidro imaculado, de onde eles gritam para os gays sem vidro, os que não se vacinaram, nem tomaram os devidos cuidados para se apresentar heteronormativamente;

-Promíscuos! vocês são a vergonha para os gays!

E vejo também os gays misóginos, repudiando fortemente qualquer traço de feminilidade nos outros gays, abraçando a causa do patriarcado que já desautorizou a priori a qualquer homem gay, seja másculo ou não, a se considerar ''homem''.

Eu posso ver os gays praticando uma série de opressões entre si; a opressão odiosa em função da idade, por exemplo, é uma das mais recorrentes.

Impossível não me lastimar diante deste estado de coisas.

Eu não sou Martin Luther King, mas eu também tenho um sonho.

Meu sonho é viver um dia para testemunhar o fim do ódio; eu sonho com o dia em que os jovens gays irão reverenciar, respeitar e nutrir admiração pelos gays idosos, por sua beleza, graça, sabedoria e força.

Eu sonho com o dia em que homens femininos serão deixados em paz, e a coragem deles será celebrada por muitos.

E por fim, eu sonho também com o dia em que os vidros esterilizados dos gays de farmácia vão se partir e rachar.

Comentários

  1. Heteronormatividade ou homonormatividade, são igualmente opressivas. Mas é curioso como os próprios gays se oprimem e fazem até piadas pejorativas contra quem tem preferência em ser passivo, por exemplo.

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  2. Defendo que uma pessoa seja como ela é e quiser, desde que isso nã\o prejudique o próximo. E ponto!ando cansado das inúmeras formas e tentativas de controlarem o corpo alheio - além do próprio e o texto do Walter Silva é mais uma vez perfeito ao demonstrar isso.
    Eu prefiro, mesmo, as pessoas sujas de vida, as que vão além sem medo do olhar do outro, por que só assim vale a pena. Em tempo, não acho que exista a palavra "homonormatividade", da forma como o Nivaldo colocou em seu comentário. O que vejo são gays tentando, desesperadamente, serem "discretos", parecerem com o macho heterossexual, inclusive no que este tem de pior. Mas acho que, na medida em que a estima for se elevando e os Direitos conquistados e garantidos, isso deixará de existir.
    Beijos,
    ricardo Aguieiras
    aguieiras2002@yahoo.com.br

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  3. Comigo acontece a mesma coisa que o Walter Silva fala no começo. Me vejo até com um certo orgulho de ser o que sou (afinal é minha essência). Meus desejos ardentes, minha paixão pelos homens, tudo lindo e limpinho, sem vergonhas de ninguém. Daí começo a ver alguém, e mais alguém mentindo mais para sí mesmo que para mim, cagando regras! etc. Dizendo que homem só é gostoso se for jovem, magro, forte e pauzudo, etc, etc. Bom, quero cumprimentar o excelente texto do Walter Silva e o também excelente comentário do Ricardo Aguieiras. Sinto que nem tudo está perdido. Beijos, José Solon.

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  4. Ricardo, quando um cara homossexual diz que tem que ser pintoso e que só gosta de pintosos porque gay que tem orgulho de si mesmo tem quer assim, pra mim isso é homonormatividade.

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