A tradição nossa de cada dia


Por: Walter Silva

A ''tradição'', a preciosa, quantos crimes são cometidos em nome dela?

Foi por causa da tradição que um dia vários colegas de escola se juntaram em grupo no pátio para me xingar de viado; uma baita humilhação (hoje chamam de ''bullying''). É a tradição que é evocada sempre que alguém se opõe aos direitos humanos em algum lugar do mundo. 

Tradição míope, que só vê aquilo que o dono do discurso quer que ela veja; sim, pois não há nenhuma tradição autêntica. O olhar do observador por si só já é capaz de profanar e modificar o passado; o relato histórico é carregado de impressões culturais e idéias pré concebidas.

Eu prefiro a honestidade e coerência da maioria dos ateus; tradição serve para quê? Se a lei da vida é o progresso, a mudança, o fluir das estações, o inexorável e rigoroso passamento do tempo, qual o significado de se apegar à tradição? Neste sentido, a própria tradição é um verdadeiro ''atraso de vida'' e anti natural.

Mas que merda a tal da tradição. Foda-se a tradição. Houve época em que eu, depois apostatar do cristianismo, fui buscar alguma tradição para me apoiar, uma tradição menos virulenta. Encontrei parcialmente o que buscava; uma após outra, todas as religiões, grandes ou pequenas, estavam amarradas em alguma medida à tradição, que obviamente não abraçava pessoas como eu, por uma única simples e boa razão. Todas elas foram criadas por criaturas de uma sociedade que me excluiu.

Claro que posteriormente eu descobri também que (óbvio e ululante) se a religião é invenção dos mortais comuns, e pessoas LGBT NÃO estão excluídas deste grupo, também elas criaram suas tradições. Infelizmente a maioria dessas pequenas tradições da comunidade LGBT não sobreviveu ao genocídio e faxina étnica cultural da tradição ''maior'', senão sob a forma de fantasmas, ecos e reflexos, escamoteados por espíritos marotos.

Então estou eu aqui, tentando recuperar alguns fios soltos, algumas histórias esquecidas, uma trilha desfigurada. Não apenas para sossego da minha alma; mas porque eu sinto que é o que deve ser feito.

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