Homossexualidade é assunto que não existe dentro das salas de aula

Vera Lúcia Sena fala sobre o corpo humano
Mesmo reconhecendo que não há como fugir do tema e é preciso combater a homofobia, educadores admitem que discussão é tabu e alguns pais consideram como "estímulo"

Priscilla Borges , iG Brasília

Mesmo diante da liberdade sexual do mundo moderno, e da naturalidade com que o cinema e a televisão tratam do tema, discutir sexualidade com crianças e adolescentes ainda é um desafio para a maioria dos professores brasileiros. Eles admitem que a tarefa se torna ainda mais árdua quando o tema esbarra nas relações homoafetivas. Os educadores reconhecem que não é possível "fugir" do assunto, mas não sabem como tratá-lo.

Vera Lúcia Sena em oficina sobre educação sexual com outras professoras de crianças da Escola Classe do Varjão, em Brasília. "Tenho de fazer a criança feliz na sala de aula", diz ela.

De um lado, muitos professores não se sentem à vontade ou preparados para debater assuntos que envolvem a educação sexual – identidade de gênero, orientação sexual, respeito à diversidade, homofobia, sexo responsável, início da vida sexual, prevenção a doenças e gravidez. E, em situações nada raras, não encontram apoio nas escolas.

Por outro lado, ainda há colégios com receio de que a abordagem do tema desagrade às famílias. Muitas das instituições procuradas pelo iG não quiseram participar da reportagem ou conversar sobre o tema. A homossexualidade é tabu e, de modo geral, só aparece nas atividades e discussões quando a escola tem algum projeto de educação sexual.


Debate para diminuir a exclusão


A Secretaria de Educação do Distrito Federal criou um órgão especialmente para ajudar as escolas nesse sentido: o Núcleo de Atendimento à Diversidade de Gênero e Sexualidade faz parte da Coordenação de Educação em Diversidade, criado há pouco mais de um ano. A violência que envolve as diferenças de gênero e de orientação sexual preocupa os gestores.

"A questão de gênero ainda é pautada na normalidade das relações heterossexuais. Quem foge desse padrão é visto como anormal. O preconceito na escola não é diferente do resto da sociedade. Os jovens estão em fase de descoberta e precisamos mostrar que orientação sexual não é uma opção", afirma Ana Marques, coordenadora de Educação em Diversidade do DF.

"O preconceito na escola não é diferente do resto da sociedade. Os jovens estão em fase de descoberta e precisamos mostrar que orientação sexual não é uma opção." (Ana Marques)

Ana admite que, para muitos educadores e pais, esse tipo de discussão significa "estímulo". Mas, ela defende, esse debate é que vai diminuir a exclusão. A coordenadora lembra que muitos homossexuais abandonam os estudos porque não se sentem acolhidos no ambiente escolar ou, pior, são desrespeitados. “E escola é direito de todos”, afirma categórica.

Com o objetivo de mostrar a coordenadores educacionais que o respeito à diversidade deve ser entendido como uma garantia de direitos básicos a toda criança e adolescente, a nova coordenação realizou seminários e reuniões nas diferentes gerências regionais de ensino da cidade. Agora, preparam cursos de formação para professores.

"Para muitos educadores e pais, esse tipo de discussão significa 'estímulo'. Mas esse debate é que vai diminuir a exclusão."

As visitas revelaram um desafio maior do que o esperado pela Secretaria de Educação. "Se existia escolas que debatiam o tema era tão pontual que não conseguimos identificar”, conta. Na opinião dela, as crenças religiosas (que são individuais) atrapalham os trabalhos nesse sentido. “Mas a homossexualidade está nas escolas e isso tem de mudar", diz.


Esforços isolados


Flávia Mazitelli, professora do curso de Terapia Ocupacional da Universidade de Brasília, coordena projetos de educação sexual em escolas localizadas próximas ao câmpus da UnB em Ceilândia. Junto com os alunos, ela acompanha turmas de adolescentes (a cada ano em um colégio diferente) durante o ano todo, em encontros semanais.

"Falta esse espaço para o adolescente discutir a sexualidade. Há escolas que sentem a necessidade de proporcionar esse espaço, mas não tem pessoas para isso. E os pais também têm dificuldade em fazer com que o tema faça parte do cotidiano das famílias", pondera. Segundo a professora, o que falta não é informação e sim reflexão.

"Falta espaço para o adolescente discutir a sexualidade. As escolas não têm pessoal para isso, os pais também têm dificuldade em fazer com que o tema entre no cotidiano das famílias." (Flávia Mazitelli)

Ela explica que os alunos precisam aprender a lidar com a própria sexualidade e, depois, com a dos colegas, que nem sempre será a mesma. “Nós percebemos a diferença de comportamento dos meninos entre o começo do ano e o final. Eles aceitam mais a diversidade, se tornam mais tolerantes e a violência diminui. Os professores também se sentem apoiados”, acredita.


Conversa para crianças


Os especialistas em educação sexual defendem que o tema faça parte da rotina não só de adolescentes, mas também de crianças. Vera Lúcia Tavares de Moura Sena, professora da educação infantil, desenvolve atividades nesse sentido há anos. Na última semana, ela dividiu com outras colegas suas “táticas” para dar conta do desafio.

Vera diz que deixa os dogmas da religião de lado (ela só mantém o que determina "amar ao próximo"), estuda e é sincera com os alunos. "Não dou apelido para as partes do corpo humano, não deixo de responder perguntas. Só respeito a capacidade de compreensão deles", garante. "Esse é um assunto que pode ser trabalhado em todas as disciplinas", defende.

Na opinião dela, o respeito ao próprio corpo e ao dos outros deve ser a maior preocupação de quem trabalha com o tema nas escolas. Vera conta que muitas crianças manifestam sinais de orientação homossexual desde cedo. "Meu papel não é estigmatizar ou incentivar o preconceito. Tenho de fazer a criança ser feliz dentro da sala de aula", opina.

Jane Castelo Branco, do Centro Educacional Leonardo da Vinci, coordena o projeto de educação sexual que faz parte da rotina de estudantes da educação infantil até o final do ensino fundamental. Primeiro, uma caixa de dúvidas é colocada nas salas de aula. A partir disso, os temas vão sendo trabalhados a cada bimestre, o ano todo, em todas as séries.

"Usamos o tema nas aulas de ciência, história, filosofia. As ações são críticas, reflexivas e educativas. Falamos muito sobre respeito às diferenças e é gratificante ver o amadurecimento dos alunos”, diz. Jane conta que a confiança criada entre a equipe e os alunos faz com que muitos peçam ajuda a elas para contar à família, por exemplo, que são homossexuais."

"Usamos a educação sexual nas aulas de ciência, história, filosofia. Falamos muito sobre respeito às diferenças e é gratificante ver o amadurecimento das crianças." (Jane Castelo Branco)


Kit contra homofobia: banido


A falta de formação, preparo e materiais adequados é uma das grandes reclamações dos professores. Em 2011, um kit (composto por vídeos e livro de atividades para os professores) contra a homofobia estava em avaliação para ser distribuído pelo Ministério da Educação a 6 mil escolas de ensino médio. No entanto, terminou suspenso pela presidenta da República, Dilma Rousseff, após a pressão de deputados da bancada religiosa.

O kit foi abandonado dentro do MEC, que mantém outras estratégias para ajudar as redes de ensino a combater o preconceito. Entre eles: apoio a cursos de pós-graduação; inclusão do tema nos editais de avaliação e seleção de obras didáticas; inclusão do debate nos currículos universitários, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão e estímulos a pesquisas.

No ano passado, as Diretrizes para Educação em Direitos Humanos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e homologado pelo ministro Aloizio Mercadante, incluíram a necessidade de promover ações de formação e criação de material didático para a "equidade de gênero, livre orientação sexual identidade de gênero".





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