Desabafo (mais um, dentre tantos)


Por: Alex Mendes

Gostaria de dizer uma coisa: ser gay não é fácil. Não foi uma escolha, não aconteceu comigo porque eu deixei de ter as experiências certas nos momentos certos, não foi porque eu era rebelde. Ao contrário, todos que me conhecem, sabem que, apesar dos problemas de comportamento que apresentei na adolescência, decorrentes de Transtorno Bipolar do Humor, eu sempre fui a mais ajustada das pessoas, sempre fui um bom garoto, um aluno exemplar. Depois de adulto, sempre fui responsável, dediquei-me à Universidade, depois me tornei um professor capaz, sabedor de meus deveres e obrigações. Nunca fui politicamente neutro, mas sempre busquei a compreensão antes do conflito, sempre levei muito a sério tudo o que eu fiz, e quando decidi assumir-me gay, isso aconteceu em meio a muito sofrimento, porque o mundo tinha me ensinado a ser algo totalmente diferente. Nunca namorei nenhuma mulher, nunca enganei nenhuma garota, e não julgo quem tenha feito isso. Nem julgo também quem sempre foi o meu oposto: desajustado, louco, irresponsável. Creio que, no frigir dos ovos, é muito mais feliz do que eu. Um desajustado que pudesse ter brigado com toda a sua família quando se declarou gay, que perdeu emprego, que perdeu amigos, companhia, dignidade, que destruiu o seu próprio casamento possivelmente é mais feliz. No afã de andar dentro da esfera do ajuste social eu faço e fiz concessões horrorosas, que me machucaram muito e não redundaram naquilo que eu queria: mais respeito.

Sempre achei que a maioria não gostava de gays pintos@s e esfuziantes, que isso envergonhava a todos, então mantive, em casa e no trabalho, ou seja, em 100% da minha vida, um comportamento o mais masculinizado que eu conseguia ter. Na verdade, isso não era tão difícil. Como a maioria dos gays que eu conheço, ficar no gênero masculino era mais fácil, e isso não significava apenas usar o banheiro masculino ou comprar roupas de homem. O comportamento masculino deveria ser mimetizado em minúcias de detalhes. Sem tirar nem por. Mesmo quando eu saía com outros gays como eu, aparentar ser homem era necessário e uma questão de sobrevivência. Anos difíceis aqueles? Continuam difíceis hoje, como antes. À medida que gays têm se assumido, menos seguros estamos do reacionarismo da sociedade que ainda nos odeia. Ainda somos modelo negativo de comportamento para homens e mulheres. Nós gays ou lésbicas somos tidos como fúteis, promíscuos, superficiais, pródigos, drogados, bêbados, inconstantes, irresponsáveis, desagradáveis. Quando muito, falamos coisas engraçadas que fazem todos rir, como se fôssemos um eterno espetáculo ambulante de stand up comedy, mas não inspiramos seriedade e compromisso. Hoje há mais visibilidade, portanto, mais aceitação do que antes, mas sem uma redução exatamente significativa na rejeição e no preconceito. Somos capazes de constranger muitos a nos respeitarem, já aceitam nossas denúncias de agressão e maus tratos, temos convencido promotores e juízes a condenar quem nos mata e agride por ódio, mas essa guerra ainda é inglória e insuficientemente vencida. Estamos em praticamente todas as profissões e lugares, mas ainda sofremos resistência e violência contra nós, pelo simples fato de não sermos iguais aos heterossexuais.

O mundo pode até estar melhor para os gays e lésbicas, mas quero avisar a todos aqui que ainda não é o suficiente. Eu, particularmente, não aguento mais nenhuma forma de preconceito sequer. Se eu não puder evitá-lo, evitarei quem o faz, denunciarei quando for possível, comprarei essa briga horrorosa, porque ficar calado não está adiantando, não me faz melhor, não faz com que o preconceituoso se ouça, se arrependa e deixe de nos discriminar. Apesar de haver violência, e muita, contra gays e lésbicas, a violência não é o único preconceito. Há inúmeras formas:

Qualquer gênero de humor que inferiorize ou humilhe qualquer LGBTTI, mesmo que vênias e explicações aconteçam antes ou depois, é preconceito.

Chamar alguém de bicha, veado, sapatão, quando esse alguém não é LGBTTI, para fazer ofensas de brincadeira também é preconceito. Assim como chamar algum homem de mulherzinha, ou uma mulher de macho. Sexismo, por mais inocente que pareça ser, pressupõe que alguns são melhores que outros. Que homens sejam melhores que mulheres, e que ser mulher é algo negativo, indesejado. Que gays são piores que heterossexuais.

Rapazes chamam uns aos outros de boiola ou veado na tentativa de inferiorizar uns aos outros, de modo sério ou de brincadeira. Isso nos nivela com o pior que há na sociedade: seus párias e todos aqueles que vivem à margem da lei. E isso não leva em consideração se eu sou, antes de ser gay, lésbica, travesti ou transgênero, dotado de valores éticos e morais que qualificam sujeitos ajustados ou ajustáveis à convivência social.

Ofender seus amigos, colegas ou mesmo inimigos que torcem por um time rival do seu, chamando-os de veados, bichas por causa disso é um imenso preconceito. Ser gay não é uma questão de ofensa a nada, a não ser a valores religiosos de certas instituições que declaradamente não entendem o fenômeno da homossexualidade e não respeitam a vida humana no âmbito da diversidade.

Evitar colegas de trabalho ou conhecidos porque eles são gays ou lésbicas assumidos é preconceito. Estar na presença ou companhia de gays, lésbicas, travestis ou transgêneros não significa que você será, um dia, um deles, mas que você se relaciona com pessoas, e não com o gênero que colaram na cara dela.

Em suma, muito do que se faz hoje é preconceito e é uma pena que tenha de ser assim. Não se envergonhe de amigos, colegas, subordinados ou conhecidos que sejam gays assumidos, não importa o comportamento que eles tenham. Não peçam para que eles se comportem como homens e mulheres, aprenda a ter orgulho do fato de que eles são como são assim como você é como é. Não queira que ele seja alguém que você não é. Pare de chamar os torcedores do time rival do seu de gays como forma de pejoração. Ser gay é como ser heterossexual, amamos e transamos diferente. Mas somos capazes de viver com respeito nessa sociedade a qualquer momento, não precisamos esperar que uma geração inteira morra antes de podermos ver mudanças. Parem de postar homofobia em suas redes sociais, não argumente a sexualidade a partir da religião cristã. Se não quiser ver as postagens de seu amigo gay, exclua-o ou as oculte de modo permanente.

Gays não escolhem ser gays.

Lésbicas não escolhem ser lésbicas.

Mulheres não escolhem ser mulheres.

Homens não escolhem ser homens.

A partir de agora, não importa o quanto eu goste da pessoa, comportamento de homofobia, na minha linha do tempo, significa exclusão. Vou comprar essa briga. Chega de chamar os outros de veado na minha frente sem eu reagir.

Sabiam que só veados e sapatões podem chamar veados e sapatões de veados e sapatões, fora desse contexto de nenhum preconceito, tudo o que for dito é ofensivo e eu vou responder à altura. Tenho dito. 

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