União estável e casamento civil: Entre migalhas e a cidadania plena!


Por: Julio Marinho

Conversando com algumas pessoas, vi que muitos ainda acham, erroneamente, que, quando o STF decidiu pela equiparação da união homossexual à heterossexual, a união estável, ou até mesmo o casamento entre pessoas do mesmo sexo estava sendo legalizado no Brasil. Mas não, não foi o que de fato ocorreu. A decisão do STF não é equivalente a uma lei. O artigo 1.723 do Código Civil estabelece a união estável heterossexual como entidade familiar. O que o Supremo fez foi estender este reconhecimento a casais homossexuais. Em alguns casos, esse direito ainda poderá ser negado, e o casal terá de recorrer à Justiça para que este seja reconhecido.

E vejam, estamos falando da união estável, e, para que fique bem claro: União estável não é a mesma coisa que casamento civil! São institutos diferentes, e assim merecem ser tratados. São opções de formalização de um relacionamento, com suas evidentes vantagens e desvantagens, o que pode ser bom para uma pessoa, em razão de suas peculiaridades, pode ser ruim para a outra. Uma opção, menos para nós LGBT's, obviamente, já que dependemos da - nem sempre - boa vontade do poder judiciário. No nosso caso, a união estável não passa, na verdade, de um arremedo, uma migalha, uma esmola. Mais uma forma de segregação, como se fossemos "cidadãos de segunda classe". 

Não pretendo aqui fazer um "tratado jurídico" sobre o assunto, afinal de contas, não tenho capacidade técnica para isso, nem tão pouco acho necessário, até porque, acho prudente que as pessoas façam uma pesquisa na web para tirar essas dúvidas. Esse é um assunto que, apesar de parecer chato, é de suma importância. A grande verdade é que, poucas pessoas sabem a diferença entre união estável e casamento civil. Outros, por mais que pareça absurdo, ainda fazem uma confusão enorme entre casamento civil e casamento religioso, inclusive pessoas que, aparentemente, deveriam... deveriam não, TERIAM a obrigação de saber a diferença entre um e outro, incluindo ai a nossa presidente Dilma Rousseff. 

Segundo Paulo Iotti (Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino/Bauru. Especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP. Advogado - OAB/SP): "É de se lembrar que o casamento civil é, como o nome mesmo diz, civil, secular, não religioso. Casamento civil e casamento religioso não se confundem, são completamente distintos. (...) Já o casamento religioso é um dogma, algo sujeito à fé religiosa. Isso significa que não é porque o casamento religioso não seria possível a casais homoafetivos que o casamento civil também não o seria. Ditos casamentos não têm nenhuma ligação na atualidade. Aliás, o casamento puramente religioso, sem efeitos civis, é um nada jurídico. Não significa nada por si: é, apenas, uma prova de união estável (esta sim possuindo relevância jurídica autônoma). Atualmente não há absolutamente nada que justifique uma ligação entre casamento civil e casamento religioso. O fato daquele ter se originado deste não tem nenhuma importância, porque atualmente eles têm requisitos distintos: afinal, um é pautado pelo Direito Laico, Secular (casamento civil) e outro pelo Direito Canônico (casamento religioso)."

Até porque, segundo o jornalista Bruno Bimbi: "É falso dizer que o casamento, como instituição, tenha sua origem na religião cristã. O casamento como contrato civil é bem anterior ao sacramento que leva o mesmo nome: foi no ano 1215 que a Igreja adotou o casamento como sacramento religioso, mas ele já existia como contrato civil desde muito antes do nascimento de Cristo e também era praticado por outras religiões, de diferentes maneiras e com diferentes regras."

Mas vamos focar na questão das diferenças entre casamento civil e união estável. Uma das diferenças mais importantes se refere a garantia do direito à herança. O casado, após a morte do cônjuge, passa a ser o "herdeiro necessário" (Herdeiro legítimo, o que faz jus à herança por força de lei e que por isso não pode ser dela excluído. São esses os descendentes, ascendentes e o cônjuge) e só terá de dividir a heranças com os filhos e pais (descendentes e ascendentes mais próximos). Já o parceiro de união estável poderá ter de dividir bens com parentes distantes do morto. Além disso, a certidão de casamento permite, por exemplo, que o cônjuge seja automaticamente colocado como dependente em convênios médicos e contratos.

Em relação a pensão por morte, o parceiro em regime de união estável, terá sempre a pensão contestada pelos órgãos previdenciários e dependerá de justificação, mesmo com o documento de convivência feito em cartório, que aliás, poderá ser contestado a qualquer tempo. Em relação ao casamento civil, basta a certidão para assegurar esse direito. Existem algumas outras diferenças, mas como já disse, prefiro focar nesses pontos, que jugo serem os mais pertinentes.

No Brasil, os regimes de casamento civil são:

- Comunhão parcial de bens: Onde cada um dos cônjuges deve conservar as propriedades que já possuía antes de casar, assim como todos os bens que porventura receba por herança ou doação após o casamento. Apenas serão considerados propriedade do casal os bens que forem adquiridos após o casamento. Ou seja, divide-se tudo que foi adquirido na data do casamento até o dia da separação.

- Comunhão universal de bens: Todos os bens atuais de cada cônjuge e os que forem adquiridos após o casamento, serão comuns ao casal. Para optar por este regime é necessário se dirigir ao Tabelião de Notas que lavrará uma escritura de pacto pré-nupcial que deverá ser anexada aos demais documentos e que serão apresentados pelos noivos no cartório onde será dada a entrada nos papéis do casamento civil. Aqui dividem-se TODOS os bens.

- Separação de bens: Todos os bens atuais de cada cônjuge e os que forem adquiridos após o casamento, permanecem como propriedade individual. Como na comunhão universal de bens, deve-se fazer uma escritura de pacto pré-nupcial, com um Tabelião, antes de encaminhar a papelada. Ou seja, não se divide NADA.

 - Participação final nos aquestos (bens adquiridos): Neste regime os bens comprados durante o casamento pertencem a quem os comprou, mas eles são divididos na separação. O novo regime dá autonomia a cada cônjuge, que poderá administrar seu patrimônio autonomamente. Ou seja, os casados podem dispor livremente, sem o aval do outro, dos bens que adquiriu, mas, na separação, os bens presentes são divididos ao meio.

A união estável se enquadraria na "comunhão parcial de bens", não havendo outra possibilidade. Ou seja, nós (LGBT's) não temos os mesmos direitos que os casais heterossexuais, por mais que alguns façam questão de dizer o contrário, e outros caiam nessa esparrela. Não queremos algo "semelhante", queremos sim o casamento civil, por que não? Nossas diferenças devem ficar no campo das individualidades, enquanto cidadãos, somos todos iguais perante a lei, ou pelo menos, deveríamos ser. 

Outro ponto a se levar em consideração: O estado civil de casado é adquirido apenas após o casamento civil. Se o casal está em uma relação de união estável, eles terão estado civil de solteiro, divorciado, separado ou viúvo. A declaração de união estável, não é a mesma coisa que um casamento, porque os cônjuges não mudam o seu estado civil e não podem adotar um o sobrenome do outro.

Como bem disse o nosso querido deputado Jean Wyllys: "Que fique claro: o casamento civil igualitário não é apenas uma lei que reconhece direitos. É uma lei que diz que os casais homossexuais valem o mesmo que os casais heterossexuais, não são melhores nem piores e merecem o mesmo trato, a mesma proteção, o mesmo reconhecimento e a mesma celebração. Porque o casamento também é isso: uma celebração pública. E não há melhor forma de combater a homofobia que essa. A inclusão de gays e lésbicas numa instituição ordenadora na nossa cultura, o reconhecimento dos casados como casados e a celebração dos seus casamentos são também políticas educacionais. As crianças do amanhã nascerão num país em que essa barreira simbólica que nos deixava fora não existe mais e o Estado reconhece que somos cidadãos como qualquer um."

E não, isso não é o caso de se pretender obter privilégios, trata-se, isso sim, do desejo de se equiparar direitos, afinal de contas, como já dissemos inúmeras vezes, temos os mesmos deveres e obrigações civis, portanto, nada mais justo que tenhamos os mesmos direitos. Quando vamos declarar nosso imposto de renda, não existe a opção: Gay, ou não gay; Ao pagar o IPTU ou IPVA, não importa se o dono do imóvel ou automóvel seja gay ou não; nossas contas de luz, água, telefone etc., não têm desconto por sermos gays - e nem queremos que tenha; só para citar alguns exemplos, portanto, queremos cidadania plena. Simples assim!

Dados recentes do IBGE apontam que existem mais de 60 mil casais - é provável que esse número seja bem maior - de pessoas do mesmo sexo vivendo juntos no Brasil. Ou seja, são milhares de pessoas que têm seus direitos negados pelo simples fato de pertencerem a uma minoria discriminada. Direitos esses, aliás, que em nada prejudicam ou alteram os direitos dos outros, nesse caso, os casais heterossexuais.

Eu vivo com meu companheiro a 17 anos, nesse período conquistamos, a duras penas, um pequeno patrimônio, não seria justo que, quando um de nós vier a falecer, a família do outro venha a dispor daquilo, que com tanto sacrifício, conseguimos construir. Não seria justo também que um de nós fosse obrigado a dividir esse patrimônio com quem em nada contribuiu. Não é justo que sejamos tão cruelmente punidos por amar alguém do mesmo sexo. Eu não posso crer que alguém, com um mínimo de bom senso e ética, possa considerar isso como algo justo e moralmente aceitável. A não ser, é claro, aqueles que tentam justificar seus preconceitos baseados em preceitos religiosos, que como já dissemos, não devem ser levados em consideração nesses casos. Não podemos nos esquecer, jamais, que há bem pouco tempo, o casamento inter-racial também era considerado um pecado e negado sob as mesmas justificativas falaciosas - que hoje são usadas contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Hoje olhamos para o nosso passado e vemos o quão absurda era essa negativa, mesmo que, na época, elas parecessem aceitáveis. 

Comentários

  1. Nossa, maravilhoso!!! Muita gente, inclusive militantes está confundindo tudo! Vou, já compartilhar!!! Parabéns!!
    Ricardo Aguieiras
    aguieiras2002@yahoo.com.br

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  2. Compartilhando... Absurdo o que ocorre em nossa sociedade. Fechou com chave de ouro quando falou do casamento inter-racial. Muito bom.

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  3. Texto maravilhoso.

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