Sim, o pior é possível!

Por: Julio Marinho

Dormi no Brasil e acordei no Irã? Depois de ler que o Ministério das Relações Exteriores concedeu passaportes diplomáticos a alguns pastores evangélicos e suas respectivas esposas (pastor Romildo Ribeiro Soares; R.R. Soares e sua mulher, Maria Magdalena Bezerra Ribeiro Soares; pastor Samuel Cássio Ferreira e sua mulher, Keila Campos Costa; Valdemiro Santiago de Oliveira e Franciléia de Castro Gomes de Oliveira), leio estarrecido que o Governador Sérgio Cabral sancionou o "Programa de resgate de valores morais, sociais, éticos e espirituais". O projeto de lei, de autoria da deputada Myrian Rios (PSD), tem, segundo a parlamentar, a finalidade de "promover o resgate da cidadania, o fortalecimento das relações humanas e a valorização da família, da escola e da comunidade como um todo". "Sem esse tipo de valor, tudo é permitido, se perde o conceito do bom e ruim, do certo e errado. Perde-se o critério do que se pode e deve fazer ou o que não se pode", argumentou Myrian.

O passaporte diplomático deveria, eu disse: deveria, ser concedido a quem exerce função essencial ao Estado.  Há três exceções: cônjuge, companheiro(a) e dependentes; funcionários públicos em missão permanente no exterior; e por "interesse do país". Quem possuí o passaporte diplomático, que é gratuito, consegue vistos mais facilmente, além de dispensa de filas e revista. Na China, por exemplo, quem tem este passaporte não precisa de visto. Mas o Itamaraty garante que não são todos os aeroportos do mundo que fazem distinções entre os detentores de passaporte diplomático e comum. Sinceramente não sei que tipo de "função essencial ao Estado" poderiam exercer os tais pastores e suas respectivas esposas, mas enfim. Aliás, pelo menos um desses pastores, Valdemiro Santiago, já tem passagem pela polícia por porte ilegal de armas. Valdemiro foi preso em 2003, em Sorocaba, São Paulo,  portanto uma escopeta, duas carabinas e 400 caixas de munição. Além disso, outras armas e munições também foram apreendidas na residência do pastor, que na época alegou serem armas de caça e estariam sendo levadas para um amigo.

Mas isso nem chega a ser uma novidade, afinal de contas, esses pastores e donos dessas igrejas, geralmente têm uma invejada ficha criminal. Vários já tiveram passagens pela polícia, ostentam uma admirável intimidade com as "Escrituras Sagradas" e ousam até se apresentar como porta-vozes e mensageiros de Deus. Entretanto, a verdade é que não passam de estelionatários da fé, lobos em pele de cordeiro que abusam do desespero do próximo, com o único objetivo de ganhar muito dinheiro, poder e prestígio através de promessas de prosperidade. Um tipo de gente que não tem o menor constrangimento em ludibriar seus fiéis seguidores, que, por conta da ingenuidade e de uma ambição desmedida, se deixa enganar por qualquer promessa de uma vida fácil e próspera. É exatamente por conta de todo esse engodo, que a revista Forbes listou os cinco líderes evangélicos mais ricos do Brasil; Edir Macedo (Fortuna estimada US$ 950 milhões), Valdemiro Santiago (US$ 220 milhões) e Silas Malafaia (US$ 150 milhões) estão no topo da lista. Sintomático, não?

Já em relação a tal lei da "moral e dos bons costumes" - seja lá o que isso queira dizer, eu me pergunto: Quem diabos irá determinar o que é "moral" e "bons costumes"? Sim, é uma pergunta retórica. Vindo de quem veio a "brilhante", e totalmente desimportante ideia, fica muito fácil concluir que essa tal "moral" e os "bons costumes" trarão os ideais cristãos desses conceitos. Esquece-se - ou finge se esquecer - a nobre(?) deputada, que somos um país laico. Nossa Constituição Federal não permite que o Estado interfira nas crenças religiosas de seus cidadãos. Aqui, pelo menos teoricamente, somo livres para crer, não crer ou deixar de crer. Todo cidadão brasileiro tem, ou pelo menos deveria ter, a liberdade de escolher qual religião seguir, ou simplesmente não seguir nenhuma. Essa, aliás, foi uma importantíssima conquista consolidada pela nossa Carta Magna, e que agora a tresloucada deputada quer jogar no lixo.

Só para deixar claro qual é o verdadeiro conceito de "moral" e "bons costumes" da deputada, não faz muito tempo ela, ao discursar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) sobre a PEC 23/2007 (que mudaria a constituição do estado do Rio incluindo a orientação sexual como direito fundamental) declarou-se contrária a iniciativa e disse que não contrataria empregados gays para trabalhar em sua casa, já que eles poderiam "praticar pedofilia" contra seus filhos e utilizar a prerrogativa da PEC para se manter no emprego, mesmo após cometer o crime. "Eu tenho que ter o direito de não querer um funcionário homossexual na minha empresa, se for da minha vontade. Digamos que eu tenho duas meninas em casa, seja mãe de duas meninas, e resolva contratar uma babá. E essa babá mostra que a orientação sexual dela é de ser lésbica. Se a minha orientação sexual não for essa, for contrária, e eu querer demiti-la, eu não posso. Eu vou estar enquadrada nessa PEC, como preconceituosa e discriminativa. Ué são os mesmos direitos", afirmou. Ou seja, para a deputada, uma pessoa pode ser demitida, ou não ser contratada, pelo simples fato de ser homossexual. Além disso, há que se destacar a gravidade da ponte entre homossexualidade e pedofilia. Não existe nenhuma pesquisa que faça essa ligação, aliás, pelo contrário, estudos apontam que a maioria das vítimas de pedofilia são crianças do sexo feminino, enquanto a maioria dos abusadores são homens da própria família, como pais, tios, avôs, irmãos etc. Aliás, bastaria observar o noticiário para constatar isso.

Levando-se em conta a gravidade e irresponsabilidade da afirmação, já que é justamente esse tipo de declaração que faz aumentar o ódio, e por conseguinte agressões e/ou assassinatos, contra cidadãos LGBT's, além do alto grau de homofobia, explicitamente demonstrado pela deputada, fica evidente qual o conceito de "moral" e "bons costumes" que traz, dentro da sua cabecinha oca, a autora da lei. 

Qual o próximo passo dos teocratas brasileiros, a criação de um tipo de Sharia tupiniquim? Sim, porque eles já não tem o menor pudor em sair por ai gritando: "Bíblia sim, Constituição não!". Ou a gente acorda agora, ou daqui a pouco veremos pessoas sendo apedrejadas e levando chibatadas em praça pública, alguém duvida?