Austrália: Gay condenado por "sodomia" luta para limpar seu nome

Noel Tovey

"A verdade é mais estranha que a ficção." 

Muita coisa mudou desde que o ator, dançarino e coreógrafo, Noel Tovey, foi condenado por fazer sexo com outro homem, mais de 60 anos atrás. A prisão em que ficou preso fechou. A lei que tornava as relações sexuais entre homens um crime, não existe mais. Mas mesmo assim, ainda hoje, o registro criminal  de Tovey permanece no banco de dados da Polícia de Victoria, Estado no sudeste da Austrália. Tovey ainda está fichado sob a acusação "sodomia", e não tem como remove-la.

Para um número desconhecido de homens mais velhos, gays, convicções históricas para sexo consensual continuam a lançar uma sombra sobre suas vidas. Apesar da descriminalização do sexo gay, em 1981, esses homens ainda estão impedidos de se dedicar a alguns trabalhos, como o magistério, ou o voluntariado.

"Era uma época de caça às bruxas para qualquer homem gay", diz Tovey sobre o tempo em que gays eram regularmente presos por "atos homossexuais". "Se um homem sorria para nós em um banheiro, ficávamos com medo de sorrir de volta, porque poderia ser um policial esperando para nos prender", diz ele.

Falávamos sussurrando para evitar a atenção da polícia, lembra Tovey. Ele estava em uma festa quando foi preso. A polícia invadiu a festa, na casa de Max du Barry em Albert Park, em 1951, Tovey, então com 17 anos, foi levado para interrogatório.

"Eu estava em uma festa dada por um dos mais 'infames' transformistas de Melbourne". "Todos fugiram, exceto eu... e fui levado para a delegacia e coagido a assinar uma confissão". Tovey foi forçado a confessar que tinha feito sexo com du Barry. "Eu não estou dizendo que eu não tinha feito sexo com homens, eu tinha. Mas eu não tinha feito sexo com o Max ", diz ele.

Tovey não se declarou culpado no tribunal, mas o júri considerou ele e du Barry culpados de sodomia. Tovey passou meses na prisão de Pentridge Gaol aguardando seu julgamento e acabou sendo solto por bom comportamento.

Tovey, de ascendência aborígine e Africana, nascido na fornalha racial de Melbourne dos anos 30, lançou, em 2004, sua autobiografia, "Little Black Bastard", onde conta sua infância restritiva, recheada de pobreza, preconceito e abuso sexual, que sofreu nas mãos de familiares nos anos 40 e 50. "Meu tio costumava me dar chocolates, mas isso não era a única coisa que ele colocava na minha boca". 

Como muitos de sua geração, Tovey, em 1960, deixou a Austrália rumo a Inglaterra. Desafiando sua homossexualidade, casou-se e viajou com sua nova esposa. O casamento produziu uma filha, mas logo ficou claro para Tovey que esse não era o seu caminho. Ele encontrou a verdadeira felicidade com Dave, a quem o livro é dedicado.

Tovey, hoje com 79 anos, espera que, ao contar sua história, possa reforçar a campanha, liderada pelo grupo "Victorian Gay and Lesbian Rights", para expurgar essas convicções tão absurdas quanto antigas. Eles querem uma legislação que aborde explicitamente a remoção da lei que criminalizava a atividade sexual consensual entre homens.

A campanha vem depois que leis semelhantes foram aprovadas no Reino Unido no início deste ano (aqui).

O governo do Estado australiano considera aprovar uma legislação para apagar tais convicções. Ano passado o parlamentar Clement (Clem) Arundel Newton-Brown falou com o Procurador-Geral Robert Clark sobre o assunto.

Newton-Brown, disse que depois de ler a autobiografia de Tovey percebeu que essas convicções históricas ainda eram um problema para os homens de hoje. "Quando eu comecei a investigar este problema eu pensei que seria uma coisa simbólica, especialmente para as famílias das pessoas que morreram com essa convicção, mas com o curso do ano, tornou-se evidente que não é apenas simbólico e ainda pode afetar a vida dessas pessoas", diz ele.

Newton-Brown está trabalhando em uma proposta de reforma e está preocupado que homens gays mais velhos continuem a sofrer emocionalmente. "Emocionalmente, há o peso de viver uma condenação. A saúde mental dos idosos gays não recebe muita atenção, para começar."

Mesmo quando sua vida estava em seu pior momento, Tovey nunca perdeu a convicção de que havia uma vida melhor lá fora, em algum lugar - e que ele iria encontrá-la. Esta é a história de um homem que ainda acredita, apesar de tudo, num mundo mais justo, um mundo onde as pessoas não sejam julgadas e condenadas pelo simples fato de amar.


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