Abaixo a ótima reportagem da jornalista, Mônica Bergamo, para o jornal Folha de São Paulo publicada no Domingo:
A garotinha risonha chama atenção no colo do pai, em pleno cafezinho da Câmara dos Deputados. "Vem cá, quero te mostrar minha filha", diz o deputado José Stédile (PSB-RS) a Jean Wyllys (PSOL-RJ), que pega a criança de oito meses no colo e anuncia ao colega: "Meu bebê chega quando eu fizer 40".
Aos 37 anos, solteiro e homossexual assumido, Jean pretende iniciar um processo de adoção em três anos, já que o arranjo para ter um filho biológico não deu certo. "Adoro criança e quero muito ser pai. Pensava em ter com uma amiga atriz, mas ela me traiu. Casou, descasou e já tem duas filhas. Uma delas é minha afilhada", conta à repórter Eliane Trindade.
Sem namorado desde que se elegeu deputado em 2010, vai encarar a paternidade sozinho. "Tá difícil arranjar alguém", admite. Além do excesso de trabalho e de viagens, o bottom de parlamentar na lapela afasta pretendentes. "Estou quase celibatário", brinca, mas fala sério. "Sofro de solidão, sim. Os caras me admiram, mas não me veem como homem."
Sua excelência não se sente mais tão livre para flertar em boates gays. "Fico 20 minutos e vou embora. Estou muito exposto e isso mudou meus hábitos", conta. "Era mais solto, dançava. Agora, chego à boate, me encosto no balcão e ali eu fico."
Teme as onipresentes câmeras do celular. Imagens de namoro em público poderiam servir de munição para desafetos alegarem quebra de decoro. Preocupa-se em se deixar fotografar de camiseta e bermuda com as discretas tatuagens à mostra, em um passeio de bicicleta antes das votações do dia no Congresso.
No "Big Brother Brasília", já ganhou desenvoltura nos corredores e comissões da Câmara. "Quando cheguei, havia desconfiança. Após dois meses, tinham outra percepção do meu mandato."
Vencedor da quinta edição do "Big Brother Brasil", em 2005, é alvo de tietagens no entra e sai do plenário e a caminho do gabinete. Jean integra a bancada de celebridades da atual legislatura, ao lado do ex-jogador Romário (PSB-RJ) e do palhaço Tiririca (PR-SP). "O receio era de que a gente tava bagunçando isso aqui", diz Tiririca. "Hoje, a galera já respeita."
No Prêmio Congresso em Foco, o ex-"BBB" foi eleito pelos internautas o melhor deputado federal do país em 2012. "Deixei de ser mais um quando articulei a Frente Parlamentar LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Saí do baixo clero." É autor de proposições polêmicas, como a regulamentação da prostituição e a emenda constitucional que institui o casamento gay.
"Estamos mal pra caramba se o melhor parlamentar brasileiro é o que luta pela legalização da prostituição. Estão de brincadeira", diz o pastor Silas Malafaia, líder evangélico com quem Wyllys protagonizou embates públicos em torno da "cura gay".
ACM Neto (DEM-BA) foi quem primeiro viu o potencial político do conterrâneo que deixou a "casa mais vigiada do Brasil" com popularidade em alta. Jean recusou o convite para ser candidato a vereador em Salvador, mas não resistiu aos apelos da ex-senadora Heloísa Helena para se filiar ao PSOL.
"Quando decidi me candidatar, queriam que eu usasse o 'BBB' como mote de campanha. Eu me recusei", conta. Diz ter gasto R$ 20 mil numa campanha centrada nas redes sociais. Teve 14 mil votos e foi o segundo mais votado do partido no Rio.
Dispensou o aposto "ex-BBB" também no dia a dia. "Queria colocar minha vida no rumo de novo. Poderia ter me deslumbrado e cristalizado a imagem de gay boa praça que venceu reality show. Tenho uma história maior do que os três meses que vivi naquela casa." Disse não à Globo para participar de programas sobre o destino dos ex-vencedores.
Rejeita também o carimbo "ex-'BBB' que deu certo", time do qual fazem parte Grazi Mazzafera, sua colega de confinamento, e Sabrina Sato. "Odeio essa expressão. Na cabeça das pessoas, dar certo é ter visibilidade. Deu certo quem é feliz."
Na pele de deputado, transita com broche nas cores do arco-íris, em seu terno Ricardo Almeida, em "comissões de macho", como a de Finanças e Tributação.
"Foi uma escolha deliberada. É comissão misógina, que trata de assunto árido, da grande política." No segundo ano, optou pela Comissão de Educação, próxima ao seu perfil de professor e jornalista. Concilia o trabalho em Brasília com aulas em duas faculdades no Rio
Virou relator dos projetos sobre bullying em tramitação na Câmara. Sofreu na pele o problema, ainda menino em Alagoinhas (BA), sua terra natal. "Sempre fui vítima de xingamentos e brincadeiras. Desde cedo, meus apelidos eram referentes à minha sexualidade", relata. "Era um garoto afeminado, e bullying não era restrito à escola. Rolava na família, na rua. Uma professora sempre dizia para eu tomar jeito."
Aos 16 anos, assumiu a homossexualidade. "Minha mãe chorou. Preferia que eu não fosse gay. Naquele momento, as mães pensam mais nelas, no que os vizinhos vão falar, no estigma."
Dona Inalva hoje, aos 63 anos, tem mais motivos para sorrir. Ganhou uma casa comprada pelo filho com parte do prêmio de R$ 1 milhão ganho no "BBB". Deixou para trás a dura vida no bairro da Candeia, na periferia, onde criou os seis filhos em condições precárias e na labuta com um marido alcoólatra, que morreu em 2001.
A mãe lavava roupa pra fora, e os filhos vendiam algodão doce na rua. "Passamos fome. A pobreza deixou marcas na minha mãe. Venho transformando nossas vidas, mas ela se desacostumou a ser feliz. Habituou-se ao sofrimento. Para ela, é como se a felicidade fosse clandestina."
O resgate da miséria foi pela educação. Jean se iniciou nas letras em creches e escolas das Comunidades Eclesiais de Base. "A Igreja Católica me deu as primeiras aulas de comunismo", costuma brincar. Rompeu os laços com o movimento pastoral ao dar nome aos seus desejos.
Tinha 15 anos quando inquiriu o bispo local sobre o fato de a igreja não tratar da temática da violência contra os gays. "Dom Jaime foi duro. Ele me disse que a igreja tinha limites e, se eu tinha chegado a esse nível de questionamento, é porque estava perdendo a fé." O homossexualismo homossexualidade já era bem mais do que um questionamento.
Logo depois, entrou no colégio interno. Só foi ter a primeira relação homossexual aos 19 anos, já universitário em Salvador. "Dos 15 aos 18, eu namorei meninas. Minha primeira experiência sexual foi com mulher, mesmo já tendo desejo por homem."
Na faculdade, a ovelha desgarrada flertou com o ateísmo. "Mas uma coisa em mim crê", diz. Religiosidade que encontrou eco nos ritos africanos malvistos pela mãe católica. "Eu me reaproximei do candomblé para sair da esterilidade de crenças."
Jean canta o refrão de "Beleza Pura", de Caetano Veloso: "Não me amarra dinheiro não, mas os mistérios...". Aqueles que sempre há de pintar por aí, como canta também Gilberto Gil, e o fizeram entrar no "BBB" e na política. "Creio nos sinais do universo. Acredito nos mistérios. Era coisa do destino chegar ao Congresso Nacional."
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