Sobre o amor, homofobia internalizada e mariposas


Por: Walter Silva

Tenho um amigo que está apaixonado.

E está sofrendo igual um cão; inexplicavelmente a pessoa de quem ele gosta descobriu que não está mais a fim de continuar o romance.

Ele me cortou o coração quando me disse, uma noite dessas, que iria morrer.

Eu o conheço e sei que está falando sério. A natureza dele é bem diferente da minha; ele é racional, equilibrado e muito pé no chão. E exatamente por isso o amor o deixou em frangalhos; o baluarte que ele construiu está em ruínas, e ele não sabe mais o que fazer.

Comigo não é assim; eu estou sempre aos pedaços, e nunca consigo terminar meus muros. Eu sou do signo do ar e desta forma eu sempre sopro o fogo e faço ele queimar mais. Estou acostumado ao caos e a desordem.

Mas voltando ao meu amigo; eu sei, essas coisas acontecem o tempo todo com toda a gente.

Entretanto, desconfio desde sempre que com os gays isso é mais frequente, avassalador e possui consequências mais desastrosas.

A poderosa influência da homofobia internalizada agindo no psiquismo dos homossexuais em geral os vão empurrando, sutilmente, para a boca de um abismo e para as margens de si mesmos, desde a mais tenra infância até a morte.

É por causa da homofobia internalizada que alguns homossexuais se expõem a riscos maiores que os heterossexuais.

E é a homofobia internalizada que faz homossexuais fingirem ser bissexuais e heterossexuais. E é também a homofobia internalizada, na forma mais branda, que incita homossexuais a debochar de outros homossexuais, ou a pensar que ''todos os gays são invejosos e falsos''.

O desejo de mudar de orientação sexual, a busca tresloucada pela ilusória ''terapia do ex gay'', a conversão em uma religião castradora e patriarcal, a necessidade histérica de ''ser aceito'', tudo isso é oriundo da homofobia internalizada.

E por fim, é a homofobia interna que está sabotando as relações amorosas do mesmo sexo.

Homossexuais e o amor são como mariposas ao redor do lampião; esvoaçando enlouquecidos e cegos para o bulbo fervente, numa espécie de dança frenética, crendo erroneamente que estão a se guiar pela lua.

O lampião que vai queimar suas asas surge sob várias formas; assumindo o verniz de academicismo exposto no pensamento de que ''o amor é uma construção social derivada do capitalismo'', ou aparecendo na crença besta de que ''o casamento e o amor é para os heterossexuais, e querer essas coisas é imitar os heterossexuais'', ou ''domesticar-se'' socialmente, ou ainda adestrar-se numa ''instituição hipócrita e decadente'', porque claro, amor, família e aconchego são ficções e fantasias de comerciais de margarina. E vão me dizer que esse cinismo e amargura não é indício de um problema?

E a urgência de trocar de parceiros? Isso é tão escandaloso que me dá náuseas.

Não existe tempo, nem interesse para olhar para o outro de forma demorada; se uma imagem, casualmente é capturada, o instante do fascínio dura somente um suspiro. Sem dúvida é uma prova da ação da homofobia internalizada, atacando-nos e nos forçando a agir de modo automático e robótico.

Os discursos são pateticamente previsíveis; ''eu não sei o que eu quero, estou confuso''.

Bom, eu sei o que você quer. Quer continuar a caçada, a pegação, passar o rodo, curtir o babado. Nada contra, exceto pelo fato de que além disso tudo, você vai fingir uma honestidade que você não possui e magoar alguém, se envolvendo com essa pessoa, fazendo promessas mentirosas e inconsequentes. E depois vai reclamar que está só, que não tem um amor (risos), que ''o mundo gay é assim ou assado''. Sabe, se eu tiver um filho gay, eu o levarei para a psicoterapia. Quero que ele seja completamente livre da deletéria influência da homofobia internalizada, e possa desfrutar da vida como se deve.

Antes que alguém pense que estou a desabafar, e falar de mim, não estou.

As borboletas continuam a voar no meu estômago. Hoje e sempre.

É meu modo de mantê-las longe do lampião.

Comentários

  1. Ótimo! Identifiquei-me com suas palavras... Uma identificação pessoal, claro, mas também profissional, pois vejo muito isso em meus clientes e ouço muito os discursos sobre o "amor capitalista" ou sobre "imitação dos heteros". Embora haja muita perversidade em torno do que é esperado socialmente, por que se busca tanto romper com coisas que contribuíram com nossa formação? Por que não podemos apenas colorir os elementos da nossa aprendizagem social ao invés de eliminá-los pra "inventar" outros padrões?
    Bem... Parabéns pelo texto!

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  2. Ricardo Aguieiras14/01/2013, 09:47

    Bom, textos do Walter Silva são sempre perfeitos e provocam reflexão e isso basta! Mas eu acho que o amor ainda é um mistério e que, talvez, seja bom que esse mistério persista. Não vejo muita diferença entre as queixas de gays e as de héteros quando se trata de amor. Mas concordo que no nosso caso, dos LGBT's, a questão fica mesmo muito mais difícil pelas homofobias internalizadas ou não, as sociais. Penso que uma coisa é o amor e outra, bem diferente, é constituir família. E, sim, acho que ao tentarmos isso reproduzimos padrões heterossexuais e heterossexistas de comportamento. Aprendi, e vou insistir nisso por que adoro utopias, que homossexualidade é uma transgressão, bem como o amor, este sempre revolucionou tudo. E defendo essa transgressão que perdemos, infelizmente, na vã tentativa de sermos aceitos por essa sociedade que aí está, quando deveríamos buscar é respeito e direitos iguais. Não posso, enfim, separar amor de dor, não, na medida em que sei que é a dor que nos dá a dimensão do outro lado, o prazer e a felicidade. Mas não sou receita para ninguém nem acho que existe uma. Que cada um/uma, ou casal, ou parceir@s, encontre a sua. A filosofia já dizia que viver é um grande sofrimento e Freud falava que o ser humano só muda no sofrimento. Cabe a nós amenizar isso. A única coisa que tentei, sempre, e tento, é ser honesto com meu parceiro e a respeitar acordos, mesmo os que não são verbais.
    Beijo,
    Ricardo Aguieiras
    aguieiras2002@yahoo.com.br

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