Uma das coisas mais belas que existe na vida e no viver é a memória. Tanto que existe uma lindíssima canção americana chamada "Thanks For The Memory", que Frank Sinatra deu a versão estupenda e definitiva. A memória está atrelada aos anos que passam, ao tempo e o envelhecimento. Ela nos lembra de quem somos, o que vivemos e fizemos, nos envolve em sentimentos, reforça nossa historia, amplia os caminhos.
Hoje quero recordar uma situação que vivi e que, apesar de ser algo que outros e outras, talvez se envergonhassem, para mim é motivo de risos e de alegria. Além de evidenciar o amor.
Memórias...
Tive um grande amor na vida, durou quase 10 anos. Vamos chama-lo aqui de Juninho. Apesar de mais jovem que eu, éramos iguais em tudo. Iguais na transgressão, marginais, paupérrimos financeiramente e ricos em imaginação e criatividade, essenciais para os que não têm recursos. Nos conhecemos num cinemão de pegação que não existe mais, em São Paulo e sim, acredite, amor também pode nascer nos lugares mais estranhos. Nós dois, desempregados e vivendo no limite da marginalidade, no limite da liberdade. E logo fomos morar juntos, num casarão do início do século XX, no sótão, que era uma pensão quase cortiço, no bairro de Higienópolis, que chamávamos de "Castelo do Conde Drácula". Arquitetura belíssima, infelizmente foi demolido pela especulação imobiliária, no seu lugar foi construído um prédio chique e sem graça, sem alma, mas isso é outra história. Demoliram o castelo, mas não a dimensão de fortaleza, com torres e fosso, pontes levadiças do nosso amor, Juninho e eu.
Mas era bem comum passarmos fome, os dois desempregados numa época tão difícil.
Então, íamos furtar comida em supermercados da região, sabendo dos riscos, tanto pela fome física quanto pela delícia da transgressão. Riscos bem menores que hoje, naquela época não existiam câmeras de vigilância e nem levavam presos quem furtava comida. Se pegos, passavam um sermão horrendo na gente, alguma tortura psicológica e depois deixavam a gente ir embora. Falavam para a gente nunca mais voltar ao estabelecimento, mas no dia seguinte estávamos lá, de novo... risos... houveram dias de sorte, verdadeiros banquetes, entravamos magros e saíamos gordos, tudo por baixo das roupas. Mas, teve um dia... um dia desses em que a barriga realmente doía e a gente começa a enxergar amarelo, de tanta, tanta fome. Juninho tinha o suficiente para comprar uns cinco pãezinhos e eu não tinha nada. Fazia frio e eu tinha uma jaqueta com zíper. Vesti a coitada, puxei o fecho e lá fomos nós para o Pão de Açúcar que tem até hoje na Rua Maria Antónia, esquina com a Dona Veridiana. Entramos separados, para disfarçar, já hábeis na falcatrua. Juninho foi até a padaria do supermercado, no fundo e eu fui ao balcão de frios, peguei um pacote de salsichas e achei que tínhamos garantido os cachorros-quentes do dia. Joguei dentro da jaqueta, antes olhei bem ao redor e não vi ninguém, respirei fundo e fui saindo, enquanto o Juninho, num caixa, pagava pelos pães. Já ia feliz, serelepe, imaginando a comida que nos reconfortaria. E... tcham... fui pego!!! Uma segurança muito da brava gritou para todos os clientes ouvirem, enquanto mais dois guardas me seguravam, um em cada braço: "Devolve a salsicha que roubou, seu desgraçado!", entre outros termos mais, digamos, "baixos". Baixei o zíper, peguei o pacote na barriga vendo-o tomar asas e voar, indo embora. E entreguei-o para a moça brava, enquanto o Juninho, que viu tudo, saia fingindo que não me conhecia. Aí, a bravona e gritona me esbofeteou nos dois lados da minha cara com o pacote das salsichas, até ficarem vermelhos e doloridos e depois me empurraram para a rua, xingando mais palavrões que a Dercy Gonçalves em dia sem rivotril.
Nesse dia, ficamos com a nossa fome. E o nosso amor, que resistiria a todas as surras da vida. Não vejo, hoje, esse momento como algo triste. Ao contrário, é uma definição clara de nossa força para sobreviver e da nossa união. Mas, passou. Um dia, esse sim, muito triste, Juninho foi embora, havia se apaixonado por outro e foi viver esse amor. Como falava o grande João Silvério Trevisan, "o verdadeiro amor é aquele em que permitimos que o amado vá embora para amar outro e viverem outras experiências". Até mesmo por que não temos muito que fazer, nesse momento além de chorar. O tempo, de mãos dadas com a memória, vai curando tudo e a dor vira uma lembrança que não queremos esquecer. Conclusão? Amem! Amem absurdamente e descaradamente, sempre. Amor não permite vergonhas. Queria contar isso para vocês, hoje. Um beijo!
Lindo!!!Já passei um um amor bem parecido. Boa sorte e seja feliz!!!
ResponderExcluirnossa linda mesmo essa historia...
ResponderExcluirhj eu amo e aceito o amor q tenho, mas a algum tempo nao aceitava ppor ogulho, sabe aquele orgulho bobo q algumas pessoas semtem de n amar ninguem, eu era desses, enfim hj sou somos casados e n tenho vergonha em dizer q TE AMO GABRIEL.
parabens e felicidades!!!