Aqui não é lugar de VIADO!!!

R. Maria Antônia
Por: Ricardo Rocha Aguieiras

Aqui não é lugar de viado!

São Paulo é uma grande metrópole, a maior da América Latina. Era de se esperar, portanto que aqui fosse um lugar aprazível para a diversidade e as diferenças. Ou mesmo o Brasil, tão decantado pela beleza de seu povo, de suas músicas e alegria, uma beleza natural estonteante que deveria nos remeter, minimamente, à paz e à felicidade.

Mas nada disso é verdade e nem sei mesmo se algum dia foi... As portas estão se fechando cada vez mais, para o diverso, para o diferente e o diferente não pode ter Direitos iguais, aqui. No Brasil. Neste país.

Faz tempo que o Brasil se tornou país hostil aos LGBT's, aos negros e negras, aos idosos e idosas; mulheres; crianças e etc. etc. O Haiti é aqui, mas será que no Haiti também tem tanto preconceito?

Sábado passado eu resolvi sair, dar uma volta. Ir até a reinaugurada e reformada Praça Roosevelt, aqui em Sampa, onde estava tendo um festival de Teatro e Artes por todo o espaço. A ideia era ver pessoas, encontrar amigos e caminhar. Recomendações médicas. Rodei pela praça, vi a beleza de muitas instalações artísticas, algumas muito criativas, mas estava cheio demais e depois de um tempo resolvi voltar. E fiz um caminho diferente, por cima, pela famosa Rua Maria Antônia, que no passado já foi palco de tantos conflitos políticos, lá ainda tem a Universidade Presbiteriana Mackenzie e alguns espaços culturais no entorno, como o Sesc e o que ocupa o prédio da antiga Faculdade de Filosofia da USP – Universidade de São Paulo.

No segundo quarteirão tem alguns barzinhos e choperias, onde os estudantes do Mackenzie vão beber, o que provoca, com o calor, aglomerações nas calçadas e nenhum espaço para você andar, exceto o meio da rua. Já tinha notado que a rua ficava sempre assim, mas durante a semana, achava que aos sábados, por não ter aulas, era diferente, mais tranquilo. Então, eu tentava caminhar na calçada e tinha um grupo, bebendo, rindo, etc., como muitos que a gente vê por aí. Pedi licença para poder passar, já que o grupo bloqueava tudo. Um cara me mediu de cima a baixo, viu minhas tatuagens e tirou lá as conclusões dentro da cabeça dele. Passei, mas tropecei no seu pé, que não sei se o moço o colocou na frente, de forma proposital, ou não. Olhei, constrangido, e todos estavam rindo. Eu disse, sério: "Eu pedi licença!"... E sabem o que ele me respondeu? "Aqui não é lugar de viado!". E um outro falou em seguida, sempre rindo: "Dá a seta! Não gosta de dar a seta?"

Apesar de ter ficado com muita vontade de reagir, não o fiz. O grupo era grande, não escaparia fácil se eu falasse alguma coisa. E, claro, fiquei com medo.  Perplexo, entrei no Centro Cultural Maria Antônia e dei um tempo para ver se não vinham atrás de mim. Não vieram. Pessoas bondosas que são, estavam apenas querendo se divertir, acho. Se divertir, mas às minhas custas ou a de outro "viado" que resolvesse passar por lá, sem saber. Então fui embora.

Minha perplexidade vinha do fato de eu ficar perguntando sem parar, na minha conversa interior, como uma rua cheia de tanta História, livrarias, um teatro famoso perto, o Anchieta, uma grande universidade; o SESC e o SENAC, livrarias e etc., ou seja, espaços que deveriam promover a cultura e a reflexão, o entendimento entre as pessoas, a arte, poderia abrigar pessoas preconceituosas e homofóbicas como aquelas. Mas, então, me caiu a ficha! Sim, ali não seria mesmo um lugar de viado, de bichas, de gays, apesar de uma grande praça de alimentação que tem lá abrigar um banheiro famoso por ser um local de pegação e de transas, frequentado, principalmente, por estudantes dessa universidade, o que é irônico, não quero acreditar que os mesmos gays que, depois de suas transas lá, vão para a universidade ou para esses bares reproduzirem preconceitos contra si próprios e posarem de héteros, de machos, não quero acreditar...Nada tenho contra a pegação, mas acho que além da pegação, que tal fazerem também a revolução?

Voltando ao assunto, o que eu posso esperar, se lá, se aqui e se onde você está, se for dentro do Brasil, "não é um lugar para viados"? 

Alguns exemplos:
  • O Reitor do Mackenzie, em 2010, Rev. Augustus Nicodemus Gomes Lopes escreveu  o "Manifesto Presbiteriano sobre a Lei da Homofobia", colocando seu posicionamento e de toda a universidade contra a PL 122, que criminaliza a homofobia. Vejam: "A Igreja Presbiteriana do Brasil MANIFESTA-SE [com letras maiúsculas mesmo] contra a aprovação da chamada lei da homofobia, por entender que ensinar e pregar contra a prática do homossexualismo não é homofobia, por entender que uma lei dessa natureza maximiza direitos a um determinado grupo de cidadãos, ao mesmo tempo em que minimiza, atrofia e falece direitos e princípios já determinados principalmente pela Carta Magna e pela Declaração Universal de Direitos Humanos." (aqui)


  • Nossa presidente Dilma Roussef VETOU o kit anti-homofobia, declarou que "não faria propaganda de opções sexuais" (SIC) e, mais tarde, também, vetou a campanha contra a Aids que era voltada para a população gay masculina. Se a própria presidente pensa assim, como eu posso achar que aqui eu teria algum espaço e poderia viver em paz, sendo gay?


  • Também em 2010, neonazistas pela primeira vez mostraram seus rostos, numa manifestação "Pró-Bolsonaro", no vão livre do MASP, na Paulista. Se eles, agora, mostram a cara, é por que estão respaldados, não?


  • O Brasil continua sendo o campeão mundial absoluto em assassinatos de LGBT's, já há duas décadas. E os números só aumentam. São tantas as notícias de mortes de LGBT's, os requintes de horror e tortura que claramente tipificam como crimes de ódio, que nos encontramos totalmente anestesiados, boquiabertos...


  • Um jornal de estudantes da USP prega que se joguem fezes nos gays.


  • Aumentam os casos de "estupros corretivos" às lésbicas, virou uma espécie de moda.


  • Cresce o fundamentalismo religioso.


  • Mais e mais brasileiros e brasileiras LGBT's estão pedindo asilo político para países que respeitem os Direitos Humanos.


  • Etc., eu poderia passar dias levantando exemplos, você me lembraria de vários outros tudo para concluirmos que "Aqui não é lugar de viados"...

E eu, na minha ingenuidade, jamais pensei que daria razão a um homofóbico: Aqui não é um lugar de viados. Apesar de estes procurarem apenas direitos iguais, nem menos e nem mais, apesar de impostos serem iguais. Um "viado", aqui, corre o risco de perder sua vida apenas e somente por que tropeçou no pé de um, um o que mesmo? "Estudante"? 

P.S. em tempo: o uso do termo "viado", aqui, foi apenas para ilustrar uma real situação. Não quer dizer que eu concorde ou deixe de concordar com esse termo.

Comentários

  1. :,(
    é triste ter que concordar.

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  2. Realmente uma triste realidade. Eu nunca estive em armário, sempre me expus no trabalho, em família, com amigos, etc. Respeito o tempo de cada um, mas nunca curti muito quem se esconde... Agora, refletindo sobre o que você escreveu, não sei se posso criticar tão enfaticamente a atitude que eu julgava covardia... Uma pena, porque vira um circulo vicioso: um se esconde, passa também a discriminar "a pintosa" dentro do próprio meio e, no final, todos perdem. Já pensou nisso: o medo gerado no meio gay por homofobicos contribuindo para a desunião que prejudica todo o grupo. ..

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  3. querido Ricardo... Fiquei muito assustado e down quando li o ocorrido...
    é uma tristeza, essa necessidade de se fazer mais homem/macho dos seus iguais, aqui em manaus acontece muito isso, e cada vez pior... Uma tristeza
    com carinho, John

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  4. Ricardo, meu doeu o peito!! Estudei por três anos no Mackenzie e fico muito triste...

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  5. Visceral...
    Chocante como a realidade é...
    Reflexivo como ela deveria ser...
    A triste realidade nossa de cada dia...
    Obrigado amigo, pelas emoções lindas a cada dia.

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