Pesquisa: A Terceira Idade e a População LGBT



QUERIDOS E QUERIDAS,

Hoje, é rapidinho, duas coisas só: Uma, pesquisa sobre como nós, LGBT’s encaramos e projetamos o envelhecimento em nossas vidas e como seria uma instituição ideal para cuidar de idosos e idosas LGBT’s, como você acha que será a sua velhice.  Essa pesquisa é de minha amiga Márcia Mendes, ligada à PUC – Pontifícia Universidade Católica – SP e ao Instituto Sedes Sapientiae, mestrado com um projeto cujo tema será "As Instituições de Longa Permanência para Idosos e a população LGBT'. Peço, por favor, que respondam e divulguem entre os amigos e amigas para que também colaborem. O Link para as respostas (AQUI)

Duas, uma grande amiga, Priscila Bastos, do Rio de Janeiro, respondeu a pesquisa e deixou um raro depoimento tão lindo, tão contundente e humano,  que preciso compartilhar com vocês. Transcrevo-o abaixo, para que vocês também se emocionem. Beijos e uma linda semana!

"Fiz um tour em minha história, lembrando de minha bisa de cabelos brancos enormes, que ligava o chuveiro e molhava o sabonete pra fingir que tomava banho, que batia com cabo de vassoura nas "irmãs" da igreja que iam procurar meu biso em sua casa... Meu biso, um homem muito elegante, alto, magro e negro, sempre de chapéu e bíblia no braço, escondia a tatuagem de marinheiro que fez na juventude. Um homem que morreu aos 99 anos e aos 97 se cansou de ser o único na família sem miopia e comprou um óculos no camelô pra fazer um charme básico. Eles eram de São Paulo e moramos no Rio, então todo ano comemorávamos a visita deles. 

Eram pais de meu avô. Agora choro lembrando deste velho teimoso e turrão e carinhoso e lindo de morrer. Homem mais honesto eu não conheci. Ele fazia sapos com um lenço verde de minha vó, bichinhos de pregador de roupas, brincava de circo nos pendurando pelos cabelos e nos hipnotizava sei lá como. Nos contava as histórias da roça e nos enchia de inveja de uma época que parecia ser muito mais interessante do que os dias de hoje. Me ensinou que Deus mora na água, nas pedras, nos alimentos... Era Rosa Cruz e isso me dava um certo cagaço e respeito. Foi extremamente preconceituoso, mas deixou de ser na marra, com a ousadia dos netos e netas, incluindo a respondona que vos escreve. Me fez chorar de raiva muitas vezes. Me fez chorar de rir também. Aprendemos muito juntos e eu sinto falta de sua incoerente e desconcertante forma singular de encarar a vida. Morreu aos 76 anos e com isso levou metade de meus sorrisos. Meu avô Gomes e seu bigode me visitam nos sonhos. Agradeço aos céus e mato a família de inveja, porque só eu sonho com este velho teimosos e turrão e carinhoso e lindo de morrer.

Minha vó, uma nordestina cabra da peste, tem 77 anos e olhos que brilham. 
Mandava no meu avô deixando ele pensar que mandava nela. rs

Minho vó é linda e não sabe lidar com o fato de que será sempre linda, mesmo aos 400 anos. Acho que ainda não mencionei que minha vó está terminante proibida de morrer, porque ela detesta cozinhar e faz um pudim de leite condensado sem igual e uma sopa de inhame e um chá de romã quando estamos com dor de garganta. Porque ela me pergunta o que faço na cama e as vezes me conta algumas indecências. Porque ela faz musculação e viaja o país inteiro em excursões com suas amigas e ministra johrei em todo mundo e me empresta dinheiro e não me deixa dizer o motivo do empréstimo. 

Ela me faz de conselheira da família e me chama de Priscilinha e tem pena porque eu trabalho muito e reclama que sou relaxada demais e que falo palavrão demais e aprendeu comigo a gritar "caralho" qd está muito puta da vida. Minha vó é a vó mais louca que eu conheço e me tirou qualquer possibilidade de ser uma pessoa normal, coisa que me deixa eternamente grata.

As tias avós e os tios avôs são os xodós de minha família, que ama seus velhos e que ficam arrumando o tempo todo velhinhos e velhinhas por aí para amar. 

Também eu sou uma velhinha estereotipada, com minhas mazelas e manias e paixão por tudo o que os modernos chamam de retrô, uma baita saudade do passado e um espanto caipira pelo futuro.

Então, no auge de meus 33 anos, me pego chorando feito uma criança desamparada, lembrando de todos os velhos e velhas que amo, lamentando a dor dos que são violados em seus direitos à dignidade, afeto e respeito e, claro, temendo ser um desses.

Já não espero envelhecer com saúde de ferro, visto que nunca tive mesmo e que sou fumante, para minha vergonha e culpa. Quero pouco na velhice: Que eu possa trabalhar até sempre. Que me seja preservado o direito de amar e gozar, ainda que eventualmente.

Que eu não termine num quarto bege de asilo. Que meu filho não me deixe sozinha no Natal. Que minha mulher não me faça a desfeita de ir antes de mim. E que no meu quarto tenha uma vitrola com um disco da Janes Joplin, para que eu nunca perca a capacidade de sonhar e me indignar.

Obrigada e parabéns pela pesquisa!


Comentários

  1. Ricardo e principalmente Priscila ai ja é golpe baixo, como agora eu consigo ver algo mais na tela do computador se as lágrimas de emoção me turvam a vista.
    amo vocês por demais
    Otavio Zini

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