Por: Déa Januzzi - Reportagem publicada no Jornal "ESTADO DE MINAS" (Caderno Bem Viver) no dia 9 de setembro de 2012
Além de conviver com o preconceito, os homossexuais idosos lidam com o medo e a solidão. Grupos em defesa da causa gay lembram que eles ainda não são reconhecidos como cidadãos
Não tem glamour nem purpurina, não. O envelhecimento da população gay hoje é uma realidade que não dá mais para disfarçar nem negar. A velhice chega para todos, com características semelhantes à dos heterossexuais, mas com mais violência e solidão, porque, na maioria das vezes, eles não constituem família nem têm filhos. "Os gays idosos são condenados, de novo, à invisibilidade, o pior dos preconceitos, porque são obrigados a viver confinados em guetos e, muitos, têm que voltar para o armário, pois passam a depender de parentes e cuidadores homofóbicos, que não aceitam velhos homossexuais. Alguns têm que se fingir de héteros, mesmo depois de uma vida inteira de luta", observa Ricardo Rocha Aguieiras, de 66 anos, militante do movimento gay de São Paulo. Desde2004, ele abraça a causa com fervor e alegria.
É a bandeira dos homossexuais idosos que ele desfralda, todo ano, a cada Parada do Orgulho Gay, em São Paulo: "Gaysidosostambémsão(muito)gostosos!!!". Mas nem tudo é tão simples assim. "O movimento em prol dos gays idosos ainda está engatinhando e muitos já vivem na rua da amargura, como é o caso dos transexuais, que são expulsos de casa ainda jovens, depois da escola formal,e quando chegam à velhice são abandonados à própria sorte e se envolvem com drogas e toda a violência em torno delas. Muitos desaparecem de circulação", explica Osmar Resende, de 61 anos, fundador da ONG Libertos, de Belo Horizonte, que defende os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT). Nem se fala ainda em cuidadores de idosos ou instituições de longa permanência para gays."Não existem nem mesmo casas simples que possam abrigá-los quando a velhice exigir cuidados e tratamento", diz Osmar, que,em 2011, foi indicado para representar os homossexuais na 2ª Conferência Nacional dos Idosos, em Brasília, mas foi expulso de três debates. "Não queriam me aceitar em nenhum deles, alegando que nossos problemas deveriam ser discutidos entre nós mesmos, que ali não era lugar." Insistente,Osmar acabou por conseguir se fazer ouvir, porque até hoje "nem citados somos no Estatuto do Idoso". Foi durante a conferência que Osmar ficou sabendo do caso de um transexual de Porto Alegre, que retrata bem a situação. Aos 75 anos, ele procurou um asilo e foi enxotado de lá. Sem recursos financeiros e já dependente de cuidados, ele voltou para casa, parou de tomar hormônios femininos, cortou os cabelos, deixou a barba crescer e retornou ao asilo, onde foi aceito tranquilamente. Para quem passou a vida inteira tentando se adequar à sociedade, na velhice teve que voltar a se mutilar, fingindo ser outra pessoa. Isso é um crime", diz Osmar. Esconder a orientação sexual às vezes é o único caminho para os idosos gays que ainda estão marcados por estereótipos. Eles recebem apelidos cruéis,como "tias", "bichas velhas", "pervertidos" e "mariconas, pois não conseguiram sossegar a sexualidade ou esconder o desejo. "A sociedade nos quer como anjinhos de cabelos brancos, sem desejo, sem reivindicações, escondidos, quietos e invisíveis", diz Aguieiras."
Para saber sobre os idosos gays, o Bem Viver ouviu especialistas e militantes e passou a noite de sábado num dos redutos onde eles se encontram invariavelmente às sextas-feiras e sábados. Na mesa de um bar na Praça Raul Soares,com quatro idosos gays – Ricardo,de 69 anos; Afonso, de 66; Antônio, de 55, e Marcos, de 67,que contaram como vivem, onde vão, como são e como querem envelhecer. Os nomes são fictícios, porque eles não querem se expor ao preconceito. São homens bem-sucedidos na carreira, na vida financeira e afetiva e responsáveis pelo surgimento da oitava cor do arco-íris – o grisalho.
Família de amigos
A informação dos militantes do movimento de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) é de que os mais velhos escolheram um certo bar na Praça Raul Soares, região central de Belo Horizonte, onde vão religiosamente nos fins de semana. É sábado, 20h, e a coincidência é que numa das mesas da calçada há um conhecido, que abre as portas e apresenta os amigos, todos com mais de 60 anos. Alegres e divertidos, eles topam falar sobre como estão enfrentando o envelhecimento, mas preferem não tirar fotos nem dar nomes verdadeiros, "por causa da família, que sabe da nossa orientação sexual, mas prefere não conversar sobre o assunto. Eles procuram a gente quando têm um problema, mas não podemos fazer o mesmo. É por isso que formamos uma família de amigos". Assim, o gay mais velho, de 69 anos, que se dá o nome fictício de Ricardo, diz que cada um escolhe a maneira de viver e de envelhecer. "No Brasil, infelizmente, você se torna invisível quando fica velho." O companheiro de mesa dele, que se denomina Afonso, de 66, se apressa em complementar: "Pela própria exuberância da homossexualidade, com muitas plumas e paetês, quando a gente vai ficando mais velho é como se perdesse o brilho. E isso dói!", confessa. Juntos, Ricardo, Afonso, Antônio e Marcos criam oportunidades de encontro, como na Praça Raul Soares, e sempre viajam juntos para o litoral do país. Também alugam sítios na Região Metropolitana de BH, onde cada um dá um tanto de dinheiro para as comidas e bebidas. "Como o gay é tido como um cara bem de vida, porque não tem dependentes e tanto gasto financeiro, às vezes pode ser vítima de oportunistas. Os mais novos, porém, não devem se esquecer de que também somos mais sensíveis, solitários e frágeis por causa da idade, mas não somos bobos. A experiência ajuda muito." Se eles sentem que estão envelhecendo? "Sim", respondem prontamente. "É inevitável." E mostram a careca.O outro diz que pinta os cabelos brancos porque ainda prefere se relacionar com os mais jovens. "Rugas bastam as minhas", declara. Eles revelam os lugares onde encontram parceiros: "São oito saunas gays em BH, sendo que algumas têm garotos de programa e as outras só mesmo por amor". E aponta para o outro lado da rua, onde um senhor de 75 anos inicia uma paquera. "Você pode fazer o que quiser, mas sem perder a dignidade", constata um deles.
TERAPIA
Para os quatro, encontrar os amigos é mais importante do que qualquer programa. "É uma espécie de terapia. A gente conversa sobre as dificuldades e espanta a solidão que muitas vezes insiste em entrar na nossa vida." E elogiam o espaço democrático da Praça Raul Soares, onde novos, velhos e mulheres convivem pacificamente. "Os garçons, inclusive, são muito elegantes com a gente." Um detalhe importante não pode ser esquecido, segundo eles. Um dos amigos do grupo foi embora para casa correndo para cuidar da mãe, de 95 anos, que estava gripada e tossindo. "Feliz da mãe que tem um filho gay", admite ele. É uma relação muito forte, parece ligação espiritual. O gay não corta o cordão umbilical com a mãe, que é a grande mulher da vida dele," garantem.
Sem depender de ninguém
"Planejar o futuro mantendo a qualidade de vida é um dos preceitos dos homossexuais que estão preocupados coma questão da velhice"
Aos 50 anos, o produtor cultural Maurício Rodrigues de Moraes já se preocupa com o envelhecimento. "Como muitas pessoas, tento planejar uma velhice em que eu possa manter qualidade de vida e bem-estar, sem depender de meus familiares e também com disposição para continuar trabalhando sempre. Só tenho medo da velhice quando penso na possibilidade da solidão e de viver nessa sociedade que supervaloriza a juventude, a beleza, a pressa e a produção como paradigmas para uma existência feliz. Essa preocupação também passa pela consciência dos limites que o corpo vai nos impondo e pela necessidade de cuidar dele com mais disciplina e dedicação." Ele vê o envelhecimento de forma positiva, pois representa um amadurecimento. "É bom saber o se quer viver e o que não quer mais experimentar, sem culpas e ilusões. É reconfortante saber que seremos importantes dentro dessa parcela da população brasileira que envelhece. O país precisará obrigatoriamente de desenvolver políticas públicas para esse segmento, especialmente de inclusão no mercado do trabalho, aproveitando a experiência de cada um", comenta. O processo de envelhecimento, segundo Maurício,é difícil para todos, mas para o público gay talvez seja especialmente complicado, pois é um universo marcado pela imagem, pela aparência, pela juventude, pela festa, pela alegria, pela vaidade. "Os homens gays maduros, em geral, foram bonitos e vaidosos na juventude, e pela enorme independência e liberdade que conquistaram, acabam virando vítimas dessa imposta eterna adolescência, que dificulta o processo de envelhecimento. Vejo gays exageradamente preocupados com a aparência, em estar com roupa e cabelo da moda, visitando lugares badalados, o que muitas vezes vira uma coisa desconectada, pois o visual é de 20, 30 anos num corpo de 60, 70." Para não se tornar vítima do consumismo, Maurício ressalta que o público homossexual deveria aumentar seu senso crítico sobre essa descoberta do mercado gay. "Hoje em dia, temos diversos produtos voltados para esse segmento – revistas, cruzeiros marítimos, viagens, filmes, shoppings, entre muitos outros. Descobriram que, pelo poder aquisitivo, por não terem filhos, os gays representam um público consumista em potencial." Mas ele avisa: "É preciso ter cuidado: o que era apenas uma identidade sexual vira uma marca material, que não supre o vazio existencial e a solidão". O produtor cultural, que já levou shows para o Sesc e o Cine Horto, hoje tem uma ONG no Aglomerado Santa Lúcia. Ele garante que houve conquistas para o público gay, principalmente em se aceitar, em se assumir socialmente, mas na visão dele faltam espaços de lazer, clubes noturnos "que toquem todo tipo de música (até músicas antigas, porque recordar também é viver). Hoje, todos os clubes tocam o mesmo tipo de música para os jovens". Maurício acha que falta apoio e sensibilidade por parte das famílias em não perceber que, por não ter filhos ou estar sem um relacionamento fixo, os gays necessitam da proximidade, da convivência dos familiares, do afeto de irmãos e sobrinhos. "Mas reconheço que os gays conseguem estabelecer fortes relacionamentos de amizade, que de certa forma substituem a família em momentos de necessidade, pois eles se ajudam mutuamente." Atualmente, ele não tem namorado. "Tenho 'ficantes', pois se você tem 50 anos e quer se relacionar com alguém da mesma idade,tem certa dificuldade, pois há uma ideia generalizada de que gay maduro gosta de jovem. A maioria dos cinquentões quer garotões. Tenho conhecidos dessa faixa etária que só se relacionam com jovens. Acho que tudo depende da idade em que o gay assumiu sua homossexualidade. Conheço pessoas que se assumiram com 30, 40 e querem viver essa experiência como se tivessem 20 anos."
PERDAS E GANHOS
Ele percebe dificuldade dos gays mais velhos em dividir espaço. "Muitos viraram pessoas individualistas, com uma experiência e um cotidiano muito livres. São pessoas que não se adaptam mais a um relacionamento afetivo, monogâmico e, como fala amúsica, "desaprenderam a dividir" e a aceitar que em toda escolha há perdas e ganhos. Maurício não gosta de guetos. "Raramente, frequento lugares exclusivamente gays. Acho muito mais gostoso um ambiente onde todos os públicos se misturam. Todos os namorados que tive, conheci por intermédio de amigos ouemlugares héteros. Não tenho mais paciência para lugares muito cheios e prefiro conhecer pessoas e paquerar em eventos culturais, como shows, exposições, teatro e festas. Sinto falta de pessoas que queiram namorar. Hoje, você se sente um dinossauro se não quiser transar na primeira noite, se quiser dar um tempo para conhecer melhor o parceiro. Olham como se você fosse um romântico fora do tempo." (DJ)
Defensora da causa gay
Walkíria de la Roche diz que gays ficam mais vulneráveis com a idade
Por nada destemundoela fala a idade e fica até com raiva se o interlocutor insiste. "Não falo de jeito nenhum." É assim que a transexual Walkíria de la Roche se coloca. Coordenadora especial de políticas de diversidade sexual do governo de Minas, ela é uma batalhadora da causa lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais (LGBT). Ativa nas conferências estaduais da população do segmento, ela diz que raramente aparecem propostas em relação ao envelhecimento. Walkíria reconhece que o Brasil já envelheceu, mas a maioria ainda está presa em valores da juventude e da beleza. "Ninguém quer admitir que é velho. Parece que sofrem da síndrome de Peter Pan, ninguém quer crescer e amadurecer. Para mudar esse conceito, é preciso trabalhar nos espaços públicos, nas escolas, dentro dos presídios. Nos nossos encontros LGBT é necessária uma discussão mais aprofundada, pois sofremos muito com o preconceito,mesmo na juventude. Na velhice, nos tornamos mais vulneráveis e invisíveis." Walkíria se preocupa especialmente com a autossustentabilidade dos transsexuais, que vão fazer parte da população de rua quando envelhecem. "Eles perdem a identidade, ficam invisíveis e, infelizmente, não há projetos para eles." Como gestora pública, ela reivindica que os transexuais tenham, pelo menos, uma moradia, com salão de beleza, cozinha para aulas de culinária e outros cursos semelhantes para que possam sobreviver." (DJ)
PALAVRA DE ESPECIALISTA VIVIANE CAFÉ MARÇAL (GERONTÓLOGA)
Relações afetivas
Em oito anos, segundo o Censo 2010 do IBGE, o Brasil terá aproximadamente 30 milhões de brasileiros idosos. A mesma pesquisa revela queoBrasil tem mais de 60 mil casais homossexuais, sendo a Região Sudeste a que mais concentra casais que assumiram essa orientação sexual. A questão interessante é que, com a mudança do perfil epidemiológico da população,é certo que teremos muitos casais de idosos, dado ainda não registrado por faixa etária no censo.Há questões essenciais que necessitam ser revista se trabalhadas para garantir um bom envelhecimento a todos. Devemos dar uma atenção à pessoa idosa que mora ou necessita estar em instituições de longa permanência, para garantir que não exista segmentação e intolerância. É importante que a pessoa faça uma gestão estratégica da velhice em qualquer momento da vida. O envelhecer de forma positiva fortalece o sentimento de identidade, sem necessariamente envolver a deterioração psíquica associada a essa fase. Melhorar as relações familiares, profissionais e pessoais; manter-se ativo física e mentalmente, e ter um bom relacionamento com o parceiro são fatores decisivos para quem ter saúde e satisfação na velhice.
Em terrenos movediços
"O gay e a lésbica transitam em terrenos movediços. Se forem idosos, podem afundar." (Ricardo Rocha Aguieiras, escritor e militante LGBT)
Aposentado, o militante gay Ricardo Rocha Aguieiras, de 66, está aproveitando o tempo livre para se dedicar ao que mais gosta – escrever. Ainda este mês, vai lançar o romance "Gotas de sangue no branco", pela Editora Metanoia. Mora num hotelzinho, no Centro de São Paulo, com um quarto e banheiro, pois vive numa das cidades mais caras do país, onde o aluguel de uma quitinete pode chegar a R$ 1,8 mil. Ele vê a realidade dos idosos LGBTs como sombria, pois ainda não têm direito a um discurso. "O gay e a lésbica transitam em terrenos movediços. Se forem idosos, podem afundar." Ricardo Aguieiras conta que leu, penalizado, um discurso sobre envelhecimento e terceira idade em uma revista especializada. "A partir da vigésima entrevista, as falas se repetem, as mesmas questões são levantadas como se não houvessem outras: doenças; planos de saúde, religião. Não parece haver outros assuntos. Por isso, não consigo deixar de pensar que isso é apenas uma construção. Quais os recursos culturais e intelectuais que são dados a esses indivíduos durante toda a vida, para que possam ter mais opções no envelhecimento?", questiona. "O paradoxo é grande porque a população mundial está envelhecendo e vivendo mais. Logo, haverá mais pessoas acima de 60 anos que jovens. O que deveria ser comemorado como uma conquista e vitória da ciência e da medicina, infelizmente, não é assim, pois há o culto extremo à juventude e ilusões de não envelhecimento, há a negação da morte, e todas as políticas públicas são voltadas ao jovem, ainda visto como 'aquele que construirá o novo mundo'. Penso que está surgindo todo um enorme contingente de velhos, sem que nada seja oferecido a eles e sem que novos discursos passem a fazer parte de suas vidas. Um quadro para lá de trágico e dolorido." Se essa é a realidade dos idosos e idosas no geral,oque ocorreria com os LGBTs? Ele pensa e chega à conclusão de que nada. "Não pode acontecer nada ao invisível, ao que não existe. Para existir, é preciso presença no espaço público, onde somos reconhecidos como humanos e como seres plenos de direitos. Ando pelas ruas e não os vejo, não vejo os 'envelhecentes' LGBTs. Ou melhor, vejo-os apenas em alguns espaços restritos que já existiam nos anos 1970 – início das nossas lutas – e que não foram ampliados."
POSICIONAMENTO
Ricardo, por exemplo, desde 2004 está se posicionando, mesmo com uma simples faixa nos desfiles: "Gays idosos também são (muito) gostosos!". "Masedaí?", pergunta ele. "Fui procurado por uns poucos estudantes em seus trabalhos de conclusão de curso (TCC) e de pós-graduação. Li estudos maravilhosos feitos em cima de idosos LGBTs, como o do professor Cristian Paiva, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e os da advogada especialista em gerontologia e geriatria Anna Cruz de A. P. Silva, da mesma UFPA, que ajudei na pesquisa, aqui em São Paulo. Confesso que foi difícil. Ia aos poucos bares e lugares frequentados por lésbicas e gays idosos e amaioria se recusava a dar entrevistas, enxergava enviezadamente a militância. Todos tinham medo da exposição, por vários motivos: vida dupla, família, trabalho consolidado – toda uma vida calcada em cima do segredo e do escondido." Ele se entristece de não ver idosos gays na militância. "Mas como posso exigir algo dos idosos LGBTs, especificamente, se, no geral, o que é oferecido a quem envelhece são bailes da saudade, canções de Francisco Petrônio, aulas de alongamento e hidroginástica, alguns chás beneficentes? Tudo dentro da heteronormatividade do correto? Se chamam de plenitude o que eu chamo de limite, de migalhas? Fica em mim a esperança de que, um dia, lésbicas e gays idosos se posicionem como gostosos nas ruas e praças, nos oceanos do viver, e possam realmente falar de seus sonhos e anseios."
A certeza de uma boa companhia
"Um cuidador de idosos de homossexuais não pode ser homofóbico nem evangélico nem ter qualquer preconceito internalizado" (Osmar Resende,
militante gay)
Ele mora no Centro de BH,num apartamento antigo e confortável, comamãe de 95 anos e o cão cocker, chamado carinhosamente de Ziminino. Guerreiro incansável da militância gay, Osmar Resende, de 61, dá palestras em escolas, empresas e sindicatos. Mas seu principal trabalho é o de prevenção na área das doenças sexualmente transmissíveis (DST ) e Aids. A ONG Libertos distribui 30 mil camisinhas por mês, por meio do projeto Prazer com segurança, que inclui garotos de programa e transexuais, que circulam nas avenidas Santos Dumont, Pedro II, alto da Afonso Pena e na Lagoa da Pampulha. Artista plástico e publicitário, ele vê com muito bom humor a chegada da velhice. "Quando começam a chamar você de senhor pelo telefone, não adianta mais botóx nem cremes antienvelhecimento. Está consumado, é inevitável", diz ele,que acaba de sair de um relacionamento estável de mais de seis anos. Osmar recomenda aos gays idosos que tenham um relacionamento maduro e duradouro. "É benéfico para os dois ter uma boa companhia e a certeza de um amigo na velhice." Ele sabe que a tendência é que os gays envelheçam sozinhos, pois não têm filhos nem netos, mas sonha com espaços planejados para a população LGBT, a exemplo dos Estados Unidos, onde existem centros de convivência em lugares paradisíacos e bem-estruturados. Em 2013, ele pretende inclusive visitar esses locais. Uma das instituições fica em Nova York e os moradores fazem passeios de carruagem no Central Park e têm desconto de até 50% nas peças de teatro da Broadway. Ele também vai conhecer uma fazenda na Filadélfia instalada por gays milionários e anônimos para os companheiros que não têm tanto dinheiro. Osmar, no entanto, sabe que o Brasil ainda engatinha quando o assunto é idoso gay."Nem os cuidadores de idosos para gays estão sendo preparados, pois devem ter uma formação diferenciada. Imagine um mesmo cuidador de idoso que auxilia de um muçulmano e ao mesmo tempo de um judeu? Não dá. Um cuidador de idosos de homossexuais não pode ser homofóbico nem evangélico nem ter qualquer preconceito internalizado. Deve ter uma capacitação diferente dos cuidadores de idosos heterossexuais, para que os gays não tenham que voltar para o armário na velhice."
IGUAL
Psicólogo de terapia afirmativa para homossexuais, o mineiro Klecius Borges, de 59, mora em São Paulo há mais de 30 e sabe que o processo de envelhecimento é igual para todos. "O que a gente considera diferente é o objeto do desejo. Os heterossexuais gostam de pessoas do sexo oposto, enquanto os homossexuais preferem os do mesmo sexo. Tanto os héteros como os homos vão envelhecer de acordo com as características da personalidade de cada um. A orientação sexual é apenas um atributo da identidade." Ele lembra também que o estilo de vida gay valoriza muito a juventude. "Os homossexuais são muito presos a esses valores de beleza, aparência e imagem. E agente envelhece como viveu. Se passei a vida inteira cultivando esses valores, vou envelhecer mal, porque vou perder tudo isso. Se, no entanto, sou um gay ou uma lésbica e ao longo da vida desenvolvi outros valores sociais, culturais, espirituais, de afetividade e amizade, vou vivenciar melhor essa fase. Posso ir ao teatro, à opera, encontrar os amigos, buscar o autoconhecimento, estar perto da natureza, entre tantos outros prazeres não estéticos." Segundo o especialista, o envelhecer é parecido para todo mundo, "mas não posso ficar pateticamete esperando ser validado por meus atributos de imagem, beleza e juventude, que se perdem com o passar do tempo".
Imagens equivocadas
Fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, de 66, se considera o militante mais antigo da causa. Faz questão de dizer que é "o decano do Movimento Homossexual Brasileiro". Casado com uma mulher durante cinco anos, ele teve duas filhas, que ama de paixão e vice-versa. "Uma delas vai me dar o segundo neto agora. Somos superamigos, mas aos 35 assumi de vez minha orientação sexual." Mais de 30 anos depois, ele sabe que em geral, ser velho no Brasil já é um problema. "Ser velho gay aumenta o estigma." Para falar dos idosos gays, ele puxa da memória: "As duas únicas imagens a mim transmitidas em minha adolescência a respeito dos homossexuais estavam redondamente equivocadas. A primeira, quando estudante em Juiz de Fora, ouvi de um professor de história, depois tornado ministro da Cultura de Itamar Franco, 'que o Império Romano fora destruído por causa da homossexualidade'. Ledo engano: renomados historiadores garantem que Roma caiu devido a contradições internas da sociedade romana, nada a ver com os amores homoeróticos de Nero ou Adriano. A segunda imagem que ficou de minha adolescência é que todo homossexual estaria condenado à solidão na velhice, vegetando sozinho e abandonado num quartinho sombrio de uma pensão de quinta categoria". Luiz Mott fala dessa última imagem, "tão negativa, da bicha velha abandonada, com um objetivo certo: assustar os jovens para que não enveredem pela homossexualidade, pois ninguém é doido de querer para si um futuro tão sombrio. Ao longo de meus 30 anos de vivência homossexual bastante intensa e diversificada, posso garantir que nada é mais falso do que aquela visão negativista do triste futuro das bichas velhas".
ALGO DISTANTE
"Primeiro," explica ele, "porque mesmo já tendo 66 anos, ainda vejo a velhice como algo distante, não só porque continuo jovem de espírito, muitas vezes, mesmo um menino brincalhão, como também, igual à maioria dos gays maduros, construí um patrimônio suficientemente sólido–pagando INSS e plano de saúde, além de ter aposentadoria garantida e casa própria – recursos, portanto, que me garantem um futuro, quando menos num hotel de várias estrelas e não numa pensãozinha de beira de estação". Ele alerta: "Estou cada vez mais convencido de que, independentemente de ser homo ou heterossexual, no mundo moderno urbano, qualquer velho ou velha está ameaçado de ser abandonado pela família num asilo, de tal sorte que ter filhos e netos não é garantia para ninguém de que será acolhido e mantido no seio da família quando a velhice e os acha que se tornarem insuportáveis, mesmo para os entes mais queridos. Nós, gays, pelo fato de geralmente não termos filhos biológicos, criamos laços e entabulamos relações de amizade e coleguismo que podem ser tão duradouros e às vezes até mais profundos e gratificantes do que os laços de sangue. Como diz a sabedoria popular, família a gente não escolhe, os amigos,sim. E depende de cada um selecionar seleta plêiade de bons amigos, daqueles que se guarda no lado esquerdo do peito e, de preferência, homossexuais, que compartilhem nosso mesmo universo social e cultural, para envelhecermos juntos". Luiz Mott está casado há sete anos com um jovem de 25. "Moramos juntos e separados .Alguns dias da semana ele fica na minha casa e nos fins de semana vou para a casa dele. Só para referendar a sabedoria de qualquer casamento, que é sentir saudade da companhia do outro."
Gostaria de contribuir nesta excelente matéria com o nosso Projeto TERCEIRA IDADE: Hossexualidade e Prevenção do HIV - da ABIA - Associaçnao Brasileira Interdisciplinar de AIDS do Rio de Janeiro.
ResponderExcluirCaso tenham interesse seguem as entrevistas do Projeto.
http://youtu.be/nU5r1q0kW
http://youtu.be/P87w5FvUq6E
http://youtu.be/jE8tg4dt4d8
http://youtu.be/ij25NQQ8-b0
Maiores informações pelos e-mails:
vagner.de.almeida@gmail.com
va2102@columbia.edu
Lutiana, obrigado pela visita e comentários, eu, estou às suas ordens e achei bárbaro o seu tema de Mestrado. Se quiser, escreva para mim no meu email abaixo.
ResponderExcluirBeijos,
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br
Excelente matéria. Sofre dessas angustias sobre envelhecimento desde os meus 19 anos de idade. Hoje tenho 23. Preciso mesmo de um psicólogo até pq sofro de desejos sexuais exclusivo a adolescentes (efebofilia) e se essas angustias se perpetuarem eu me mato antes dos 50. Já tomo anti-depressivos.
ResponderExcluirParabéns companheiro ,VAGNER precisamos lutar pelos nossos direitos hoje, focando nosso envelhecimento com qualidade de vida. já me considero um elo nesta sua corrente.
ResponderExcluirbeijos.
MIRIAN CHAGAS.
mdchagas@ig.com.br
Excelente, matéria sou gay, tenho 48 (quarenta e oito)anos, bem sucedido profissionalmente, e espero vivenciar minha velhice de forma serena, com amigos, viagens, afinal nunca estive preso a eterna juventude.
ResponderExcluirExcelente reportagem,todos nós homossexuais precisamos nos unir para levar essa problemática para os grupos,associações,entidades,ong,etc...de homossexuais já existentes,e,assim nos estruturarmos com a criação de casas de convívio,cuidadores,etc....SOMOS MUITOS É SÓ NOS UNIRMOS.Parabéns pela matéria.
ResponderExcluirExcelente matéria, tão boa que vou comentar e continuar a leitura posteriormente. Em se tratando do envelhecimento dos heterossexuais, o processo já traz dificuldades pelo declínio das habilidades ao longo do tempo. Atualmente, o ritmo frenético que a sociedade nos impele impede que os idosos possam ter uma dedicação mais apropriada de sua família. No caso dos homossexuais, além de todos os motivos citados, como o culto à juventude e à aparência, um dos principais motivos que levam à solidão é a dificuldade de aceitação social dos gays até pela sua família. Se pudessem conviver normalmente, poderiam ter a atenção dos sobrinhos, e de toda a sua família, fazendo com que a velhice não tivesse esse peso tão grande da solidão. Os gays acabam confinados em guetos, perdendo a oportunidade do convívio com os heteros, e ambos os grupos perdem os benefícios que uma convivência tranquila independente da preferência sexual poderia proporcionar. Nos guetos, uma vez que estão fora dos olhos da sociedade, acaba prevalecendo a abordagem mais objetiva e imediatista, sexista até, do que uma convivência tranquila, em que os laços se estabelecem de forma calma, de forma que as pessoas pudessem se conhecer, estabelecendo laços mais duradouros. Confesso que me identifiquei com o depoimento do Mauricio, que prefere lugares não exclusivos, pois também gosto muito de conviver com amigos heterossexuais. Apenas me preocupa se na atual sociedade ainda preconceituosa essa amizade poderá perdurar até o envelhecimento. Espero que os laços tenham força suficiente para vencer as barreiras do preconceito também ao longo do tempo. Muito importante que tenhamos políticas públicas voltadas ao envelhecimento da população homossexual.
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