Idosos e idosas LGBT’S: Ainda sem direito a um discurso!


Por: Ricardo Aguieiras

"O Gay e a lésbica transitam em terrenos movediços. Se forem idos@s, podem afundar."



Leio um estudo numa revista sobre envelhecimento e Terceira idade, sobre os discursos de idosos e idosas  no Brasil. Penalizado, vejo a conclusão a que chegaram: À partir da vigésima entrevista, as falas se repetem, as mesmas questões são levantadas como se não houvessem outras: doenças; planos de saúde, religião. Não parece haver outros assuntos. A pesquisa poderia ter parado por aí, sem maiores prejuízos, na vigésima...

Não consigo deixar de pensar que isso é apenas uma construção. Quais os recursos culturais e intelectuais  que são dados a esses indivíduos, durante toda a vida, para que possam ter mais opções no envelhecimento? O paradoxo é grande por que a população mundial está envelhecendo e vivendo mais e logo haverá mais pessoas com acima de 60 anos que jovens. O que deveria ser comemorado como uma conquista e vitória da ciência e da medicina, comemorado por todos e todas. Mas, infelizmente, não é assim, há o culto extremo à juventude e ilusões de não envelhecimento, há a negação da morte e todas as políticas públicas são voltadas ao jovem, ainda visto como "aquele que construirá o novo mundo"; "a Esperança" e tudo o mais. Portanto, realmente não aplaudimos o fato de vivermos mais, hoje. Ao contrário, está surgindo todo um enorme contingente de "velhos", sem que nada seja oferecido a estes e sem que novos discursos passem a fazer parte de suas vidas.  Um quadro pra lá de trágico e dolorido.

Mas aí me vem na cabeça: Se isso acontece com os idosos e idosas no geral, o que ocorreria com @s idos@s LGBT's? Penso, penso e penso e chego a uma única conclusão: NADA! Sim, nada. Por que não pode acontecer nada ao invisível, ao que não existe... Para existir, é preciso presença imponente no Espaço Público, que é onde somos reconhecidos como humanos e como seres plenos de Direitos. Ando pelas ruas e não os vejo, não vejo os envelhecentes LGBT's. Ou melhor, vejo-os apenas em alguns espaços tão restritos, espaços que já existiam nos anos '70 – início das nossas lutas – e que não foram ampliados. E isso, certamente, tem um motivo.

Eu, por exemplo, estou desde 2004 com minha  faixa e posicionamento: "Gays Idosos Também são (Muito) Gostosos!" , mas e daí? Claro fui procurado por uns poucos estudantes em voltas com seus "TCC's" e pós, li trabalhos maravilhosos feitos em cima de idosos e idosas LGBT's, como os do dedicado professor Cristian Paiva , da UFC – Universidade Federal do Ceará, e os da advogada especialista em Gerontologia e Geriatria Anna Cruz de A.P.Silva, da Universidade Federal do Pará, que ajudei na pesquisa, aqui na capital de São Paulo. Confesso que foi difícil. Eu ia aos poucos bares e lugares frequentados por gays idosos e os de lésbicas idosas e a maioria se recusava a dar entrevistas, enxergavam enviezadamente a militância e tinham medo da exposição, por vários motivos: vida dupla, família, trabalho consolidado, etc.; toda uma vida calcada em cima do segredo e do escondido.

E hoje, alguns anos depois, quase nove anos depois, volto nesses lugares e vejo que não há outros, vejo as mesmas pessoas que via em 2004. Lá, os encontro. Mas não nas ruas. Não há gays idosos ou lésbicas idosas nas ruas. Então, como posso ouvir um discurso de quem privilegia o silêncio, a mudez? De quem nem discurso tem, para se ter uma fala é preciso construí-la e oferece-la aos outros, nossos próximos e próximas, neste mundo tão hostil. Como posso exigir algo dos idosos e idosas LGBT's, especificamente, se, no geral, o que é oferecido a quem envelhece são bailes da saudade, canções de Francisco Petrônio, aulas de alongamento e hidroginástica, alguns chás beneficentes? Tudo dentro da hetenormatividade, do "correto"? Se chamam de “plenitude” o que eu chamo de limite, de migalhas? Fica em mim a esperança que, um dia,  gays e lésbicas idosos e idosas se posicionem como gostos@s, nas ruas e praças, nos oceanos do viver e possam realmente falar dos seus sonhos e anseios.

Trabalhos de Cristian Paiva sobre o Envelhecimento homossexual, aqui: http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v40n1/rcs_v40n1res3.pdf



Comentários

  1. Como vc disse é difícil querer levantar a causa de quem se esconde.Mas quem sabe um dia conseguimos tanto uma política para os jovens LGBTs e claro para osidosos.Muito bom seu texto :)

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  2. Precisamos cimentar esse trilha dos gays idosos.
    Não sei como mudar essa situação, mas promover a interação entre os grupos mais novos e os mais maduros pode promover rica troca de conhecimentos.

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  3. Precisamos cimentar esse caminho dos gays idosos para que não se afundem. E para, assim, construir uma estrada de tijolos dourados!

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  4. Ricardo, ótimo seu texto e as problemáticas que ele levanta. Vou citar um exemplo que talvez possa ser pensado e gestado aqui, para efetivar de alguma forma. Ele não está ligado diretamente ao enfoque do corpo, do prazer e da autonomia sexual, mas sim a uma ação que me parece muito boa do movimento LGBT em estabelecer diálogos intergeracionais.

    Quando estive em Los Angeles fazendo minha pesquisa de mestrado, descobri que o Centro LGBT de Los Angeles (LA Gay and Lesbian Center) promovia encontros mensais entre ativistas idosos e jovens ativistas, para discutir temas, compartilhar histórias e visões. Era uma forma de oxigenar as ideias tanto dos ativistas mais antigos quanto dos jovens que assumiriam as posições de liderança no movimento em LA.

    Este é só um exemplo pontual, creio que inúmeros outros possam ser discutidos. Citei ele porque, me parece, é preciso que essa discussão venha com mais força para dentro do movimento LGBT. Por ora, parece-me apagado. O movimento já ocupa espaços no Conselho Nacional de Juventude e em políticas e editais ligados à juventude. E quanto à velhice e aos idosos, como tem sido a participação do movimento? Eu não sei dizer, especialmente porque nunca li nada sobre isso (ainda).

    Abraços.

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  6. RICARDO AGUIEIRAS24/08/2012, 10:01

    Quero, primeiramente, agradecer ao Walter Leon e ao Roberto Dias, pelos comentários carinhosos e certeiros. Sempre serão bem vindos, um beijo!
    Luiz Henrique, essa é a questão! Mas, infelizmente, já houveram tentativas e fracassaram: Lembro-me que, ainda em 2004 tentamos, por várias vezes criar grupos de discussão na Associação da Parada e na ong Corsa, aqui em São Paulo, mas fracassava, não aparecia ninguém além dos militantes de sempre. Claro que não falo isso para a gente se conformar e acomodar à situação, boas coisas foram feitas, acho que o pontapé inicial foi dado, vide os estudos que eu linko no texto, percebi que as coisas são mais lentas, mesmo, do que um militante como eu gostaria, risos, na minha ansiedade...rsrs... Além destes, esqueci de falar do filme, curta metragem "Bailão", que Marcelo Caetano dirigiu um tanto em cima de nossas lembranças... parece pouco, mas estamos , digamos, engatinhando...rsrsrs...
    Beijos e obrigado,
    Ricardo Aguieiras
    aguieiras2002@yahoo.comn.br

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