Por: Ricardo Rocha Aguieiras
Quando o Slut Walk começou, em Toronto, no Canadá, por volta de abril de 2011, eu fiquei boquiaberto. Finalmente, eu gritei! Depois, o movimento cresceu e ganhou uma força maravilhosa, internacional, mas também ganhou diversas outras nuances. Estaria o mundo recuperando o Direito supremo ao uso do corpo? Achei, inclusive, que finalmente teriam recuperado o início das Lutas Homossexuais no mundo (uso, aqui, o termo "homossexual" por que nessa época não tinha a sopa de letrinhas "LGBT" imposta hoje, só para avisar...), já que lutávamos pelas Liberdades Individuais e não somente ou meramente pela Legalização ou por Direitos. No meu modo de ver, íamos além, muito além.
Depois, a nossa "Marcha das Vadias" tomou outro rumo e foi considerada a terceira onda do Feminismo, o qual respeito muito e até partidos se apropriaram da marcha, como sempre fazem, aliás. E vi, mais uma vez, que eu estava enganado: direito ao corpo acabou sendo sufocado pelo rumo imenso que a Marcha e seus ideais políticos tomaram. Prostitutas e prostitutos, por exemplo, continuam não sendo contemplados por essa marcha (apesar de terem se apropriado do rótulo de "vadias", que no nosso contexto quer dizer putas mesmo); na própria marcha há pessoas que tentam falar que querem apenas o direito de usar as roupas que querem sem serem estupradas. O que acho justo, mas, ingenuamente, acreditei uma hora que poderia ir além. As leis brasileiras não criminalizam a prostituição, mas criminalizam o dono ou dona das casas e boates, saunas etc., onde a prostituição é oferecida a clientes, o que gera um estranho paradoxo criando mais espaços para fazerem leis em nome da moral, como se esta fosse única e não individual. Abre caminho para machistas, por exemplo, continuarem com suas já tradicionais e conhecidas formas de opressão. E mais, abrem espaços para que a violência sofrida por mulheres e homens prostitut@s continue, não podendo trabalhar em recintos fechados, são jogad@s às ruas, onde sofrem todo o tipo de violência e reforçam conceitos de marginalidade. Ou seja, repito, mais uma vez as/os putas/os não encontram abrigo em nenhum movimento social, apesar de exercerem a profissão mais antiga do mundo, apesar de promoverem inúmeros benefícios à sociedade, grupos e etc., por que muitas dessas mesmas pessoas que fazem parte dessa marcha precisam de bodes expiatórios em seus discursos. Na verdade o que estão dizendo, infelizmente, é que apesar delas usarem roupas "provocantes" ou terem todo o direito à exibição de suas sensualidades, elas não são putas. E ponto. Sim, é uma luta válida, justa e concordo com ela, apoio ela. Mas acho que poderia ir além. Todo moralismo cerceia Direitos.
Entender ou lidar ou mesmo sobreviver com as questões morais d@s outr@s e da sociedade é uma coisa complicada, inúmeros discursos sempre tentaram, através dos séculos, controlar nossos corpos: os discursos religiosos, o político, o dos poderosos e o das poderosas, o do Estado, o da medicina , que se esconde sob a alcunha de "preventiva", os autoritários discursos médicos que não permitem a escolha individual, o das sociedades que costumam falar muito em "bons costumes" e em "valores morais". Enfim, todos esses discursos fracassam em um determinado momento. Mas não por completo, eles agem por um tempo, conseguem cercear as pessoas, mas chega um instante em que elas chutam o balde e decidem por si. O corpo, o desejo e a libido sempre vencem, não tem jeito. A igreja católica, com sua imposição do celibato está aí e não me deixa mentir: fracassa sempre, mas gera infelicidades imensas enquanto dura em cada padre ou freira, bispo ou bispa e etc., mesmo que seja "por debaixo dos panos".
Na verdade, quem realmente fracassou fui eu, que sempre quis, lutei, acreditei, exigi a Liberdade dos Corpos. Entendi a luta homossexual como também uma luta pelo corpo livre, e corpos livres transgridem, incomodam, não são conformados. Não se submetem tanto ao olhar alheio, mesmo que este venha de um médico, de um padre ou pastor ou de um/uma presidente. Fracassei feio e tive que lidar com essa dor. Por que sei que corpos livres são corpos felizes e promovem a felicidade. Assim como putas e putos promovem a felicidade, mesmo que momentânea, de quem, por "n" razões, não tem como a buscar de outra forma. Infelizmente, novamente, não foi desta vez que putos e putas encontraram a sua libertação nem o reconhecimento pelo que fazem. Será que, algum dia, encontrarão?
E, para completar, acho imprescindível colocar aqui o comentário do meu amigo Edmilson Alves de Medeiros, que ampliou de forma valiosa esse debate.
Por: Edmilson Alves de Medeiros
"Ricardo Rocha Aguieiras, belo texto.
É que já ñ somos mais Janis Joplin (pensando no que falamos ontem) e o mundo se transformou literalmente num reality show onde aguardamos a aprovação do outro e representamos personagens domesticados.
Também acredito que corpos livres são corpos felizes. Mas os corpos só serão livres quando a mente se emancipar.
Também fiquei, e fico, muito feliz com todo movimento que leve as pessoas as ruas, que façam as pessoas, em algum momento, afrontar o Estado (como já dizia Milton Santos).
Você tem razão quando diz que a Marcha se apropriou da alcunha "Vadia" mas higieniza seu rotulo. E nesse “guarda-chuva” não vai caber as putas e os putos de profissão, até porque temos toda uma "intelectualização" sobre seu exercício. Muitas vezes sem dialogar com quem a exerce como profissão.
O Brasil é o país do paradoxo.
Claro que sabemos que existem casas/bordeis (seja qual for o nome, são tantos) que além de explorar também violam os direitos dos/das profissionais, ou putas e putos, para mim assim é mais sonoro e verdadeiro.
Ao mesmo tempo temos os clientes, pessoas que perdem status na nossa sociedade quando usam desses serviços. Falo aqui especificamente de gays e mulheres. Os homens heterossexuais continuam no seu lugar de macho privilegiado.
Há um grande numero de pessoas que buscam esse serviço porque desejam ter sexo com um/a profissional e não porque não podem ter de outra forma, existem esses/as também.
De alguma forma, que bom que nesse caminho que a Marcha tem tomado algumas categorias como putas e putos não cabem, pois só eles perdem com a normatização de comportamento e controle do corpo.
O problema nem é o fato da participação dos partidos, quando são os partidos, mas sim do Estado. Infelizmente os partidos são o Estado. Porque estão defendendo o interesse e manutenção do Estado.
Por natureza sociedade civil e Estado são antagônicos.
A inclusão não tem nada de positivo pois é da sua ambivalência criar a linha da exclusão.
E inclusão é também a expansão do poder do Estado para controlar, manter sob sua guarda ou tutela, assuntos os indivíduos que em alguma medida possam se fora causar dano ao seu status. Por isso apoio do Estado para Movimento social... Inclusão nem sempre gera mudança, por isso melhor que ampliar a linha de inclusão, que vai sempre gerar exclusão, é rediscutir esses valores e as estruturas que o alimenta, essa pode produzir mais efeito e avanço.
Talvez as putas e os putos estejam mais felizes na margem social, pois continuam dialogando com o Estado, que tem interesse nesse grupo, mas ainda sim conseguem escapam em parte do seu controle e, o principal, mantem seus corpos e desejos "livres" em alguma medida.
Mas sou crédulo que temos sim pessoas que estão nos movimentos não porque querem aceitação, ou aprovação, mas sim para mudar, quebrar, romper com as normas vigentes.
Acredito como você disse, que a Marcha tenha sido nos últimos anos algo de mais novo e, diria, de alegre, colorido que surgiu. Acho ainda que justamente por ser um processo muita coisa nem esta fechada ou retirada da discussão.
Como você sabe eu gosto de tudo que escapa, do que está na margem (me identifico com as figuras marginais), do que não se nomeia. Acho então que: "Somos Tod@s Putas".
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