Por: Ricardo Rocha Aguieiras
Minha grande amiga Maria Domitila de Castro do Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos (eu era mais jovem, estava só na meia idade...), me falava sempre:
Minha grande amiga Maria Domitila de Castro do Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos (eu era mais jovem, estava só na meia idade...), me falava sempre:
- Que merda (!) isso de a gente ter o rabo preso! Só por que eu sou amante do Dom Pedro I, eu não posso falar mal do Império e de ninguém do Governo! Só falar bem e colocar panos quentes em tudo! Que porra é essa?!!? É phoda, viu...
Bom, como podem ver, ela era uma mulher muito elegante nas roupas e usava uns perfumes muito bons que eu comprava para ela na 25 de Março, mas o seu linguajar não era dos melhores...
Porém, isso me faz refletir, sempre.
Desde que nascemos, somos comprometidos com algo. Família, pai, mãe, avó, titia, religiões, escola, professores, Deus, gurus, líderes e por aí vai. Não satisfeitos, ainda arrumamos mais coisas na vida para cercear nosso comportamento e nossa fala, dominamos o que sentimos, não em nosso próprio benefício, mas em benefício de outros. Falamos o que querem ouvir e não o que realmente sentimos.
Nas lutas políticas, no meu caso em particular a LGBT e a conquista de nossos Direitos, não é diferente. Como vivemos a ditadura militar onde apenas dois partidos eram permitidos, ARENA e MDB, toda uma juventude que veio em seguida concluiu que uma luta ou reivindicação política só seria possível através de partidos. Mas não é bem assim.
Venho da contracultura e da ideia de construção de um novo mundo. Ok, a contestação acabou, mas continuo não querendo me vender nem vender meus ideais ou o que acredito. E, acredito ainda que militância se faz com paixão, não pode ser uma profissão. Recentemente tive uma péssima experiência: filiei-me, por insistência de alguns amigos, a um partido. Coisa que sempre me recusei. Lá dentro, percebi que o que mais importa é o partido, seus programas e dogmas e não a luta de um segmento ou "minoria". Percebi, também, que aqueles que ocupam algum cargo dentro dele ou no governo caminham em suas lutas até o momento em que isso não coloque em risco seus cargos e seus interesses pessoais. Sim, posam de "militantes", alguns até ficam famosos nessa, mas não falam tudo o que sentem nem se doam à própria militância. Há um limite: temem por seus empregos e suas posições. Ao perceber o quanto eu teria que me vender ou vender meus valores, pulei fora e já estou providenciando minha desfiliação. Batalhei toda a minha vida para poder falar o que penso, não será agora que em nome de um partido, religião ou o que for que eu abriria mão dessa liberdade maravilhosa, única, mesmo que me rotulem de "louco". Afinal, todos os loucos e loucas que conheci eram bem mais honestos e transparentes que a maioria considerada sã. Loucos têm esse privilégio supremo de serem livres, mesmo no sofrimento mental. Claro que estou falando no geral, claro que dentro de partidos tem pessoas bacanas. Mas é o limite , o "até onde posso ir para não comprometer meu cargo" que está, inclusive, barrando avanços. Como é que eu poderia continuar num partido onde os candidatos e candidatas a cargos eletivos fazem pactos com religiosos fundamentalistas para ganhar votos, por exemplo? Questão dolorida, essa...
Prefiro ser autônomo. Poder criticar e ser criticado onde o risco está apenas na minha imagem e não na minha carreira ou sobrevivência financeira. Quando o Movimento Homossexual começou, aqui, ele não era ligado a nenhum partido. E mesmo assim foi adiante, foi adiante justamente até o momento em que um partido resolveu tomar de assalto e aparelha-lo conforme sua ideologia partidária. Só um exemplo. Rosa Parks não era de nenhum partido quando resolveu ela mesma, em sua autonomia guerreira, a não ceder seu lugar num ônibus para um branco e ir sentar lá no fundo, desencadeando, assim, o início da luta antissegracionista americana. Ela era de uma associação de defesa dos negros, mas não um partido. Mesmo assim, não foi essa entidade que determinou que ela não deveria ceder o lugar, mas ela mesma e seus valores internos.
Minha amiga Marquesa de Santos, se viva hoje, teria preferido não ser amante do imperador, mas poder falar o que pensa e defender seus ideais. Eu tenho o rabo preso, sim. Tenho mesmo, mas só com os que eu amo.
Não sei porque mas me lembrei da conferencia estadual LGBT onde tinhamos uma chapa chamada Rabo Solto, adorei a leitura!!!Axê!
ResponderExcluirGostei muito do texto, além de me identificar com ele.
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