O perigo do discurso elitista


Por: Julio Marinho


Às vezes me assusto com alguns textos ou comentários feitos por pessoas que fazem parte de minorias oprimidas, no caso, cidadãos LGBTs. Há tempos venho percebendo que há um discurso padronizante, condenatório e, principalmente, elitista. Vejo muita gente mirando no "ser moderninho" e acertando no "tal e qual". É como se a gente tivesse que seguir um modelo único, todo certinho, muito bem-educado, culto, antenado com as últimas terminologias, conhecedor profundo de todas as teorias e estudos relacionados às questões que nos cercam. Além disso tem a questão do comportamento. Parece que existe uma obrigação de se seguir comportamentos ditos "corretos" de como se portar socialmente, se vestir, falar, escrever etc. O problema aqui é que nem todo LGBT se enquadra nesse esquema. A realidade é bem distinta disso. Tudo isso não deixa de ser uma forma de exlcluir, não de incluir, que, penso eu, deveria ser, antes de mais nada, o principal objetivo e foco da militância.

Somos amordaçados o tempo todo pelos setores conservadores da sociedade, e o que fazemos? Igualmente amordaçamos! Recentemente lendo alguns comentários sobre o programa da Rede Globo de Televisão, "Na Moral", vi gente criticando a roupa que um casal de lésbicas usava na cerimônia de celebração da sua União Estável. Enquanto uma usava um vestido de noiva, a outra optou por um terno estilizado. Pronto, bastou isso para que alguns criticassem a roupa escolhida, como se ambas tivessem a obrigação de usar vestido. Estereótipo reverso? Então quer dizer que a pessoa agora é obrigada a usar a roupa que esse povo determina? Sinceramente? Não vejo ai diferença alguma no discurso dos conservadores, não mesmo.

Outra coisa que me incomoda é a militância apostar demais no discurso academicista e, que muitas vezes, se torna excludente. Nem todo mundo tem acesso a isso. Claro, seria maravilhoso se tivesse, só que não é assim, afinal de contas, a educação no Brasil é, digamos... uma bosta. Não adianta só falar em "hetenormatividade", "sexualidade egodistônica", "sexismo", "cisgênero/cissexual" etc., enquanto tem gente que sequer sabe o que quer dizer a sigla "LGBT" ou o que significa "homofobia". Sim, por mais absurdo que pareça, tem gente que não sabe. Fora que muitos, mesmo não sabendo, se sentem envergonhados de perguntar e receber de volta aquele olhar de deboche, que já presenciei várias vezes e que nos coloca à margem da margem. É como se fosse uma ofensa gravíssima não saber. Ok, é verdade também que muitos não procuram se informar por pura preguiça, concordo, mas não se pode usar isso como desculpa o tempo todo. Quem sabe um pouco mais, deveria ter o bom senso de passar adiante o que aprendeu. Aliás, não basta passar adiante o que aprendeu, tem de passar da maneira que aquela pessoa vá entender. E sem essa de "acusar" o outro por ele não saber. A militância precisa incluir e abraçar mais. Aos olhos dos homofóbicos - ainda que existam níveis diferentes de vulnerabilidade - somos todos alvos. Rico ou pobre, culto, bem-educado, bem-vestido ou não, somos todos possíveis vítimas.

Aposto que muita gente vai achar que eu estou criticando um discurso mais "intelectualizado", mas não estou, não mesmo. Aliás, pelo contrário, tenho uma grande admiração por quem tem capacidade e conhecimento para isso. Mas a gente também não pode achar que é só isso. Desse jeito o movimento acaba se isolando e confirmando a visão de que a militância é algo chato, enfadonho. Depois não adianta ficar criticando quem não participa, quem fica só pensando em "pegações" e baladas - outra crítica burra. Sendo muito sincero, muitas vezes a militância assusta com essa postura elitista. Muitos se sentem intimidados e acabam se afastando. Essa coisa de que, "se não for inteligentérrimo não serve" é uma tremenda bobagem e nada produtivo. Muitas vezes um texto simples, uma frase, um cartaz ou uma "tirinha" com uma linguagem básica, passa uma mensagem mais abrangente e funciona muito mais.

É muito contraditório isso de buscarmos o direito à diversidade, enquanto exigimos padronizações. A igualdade que queremos é de direitos, não de comportamento. 

Comentários

  1. "A igualdade que queremos é de direitos, não de comportamentos." Julio como sempre fabuloso, a repetição do discurso do opresor a taxatividade muitas vezes vista no movimento é um problema sério a ser enfrentado, precisamos nos despir de padrões e principalmente deixar de querer classificar padrões como certos ou errados, deixar as pessoas portarem-se, vestirem-se, etc como mais lhes apraz. parabéns Julio pelo belíssimo texto!

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  2. Julio, muito pertinente seu texto, percebo que hoje dia estamos entorpecidos pelo sistema capitalista/consumista e deixamos de lado a palavra que resume toda nossa essência - a solidariedade.

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    1. Verdade Alan, falta mesmo solidariedade. E obrigado pelo comentário.

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  3. Super obrigado pelo comentário Otavio, vc é um querido!

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  4. Ótimo texto, Julinho.

    Fui um dos que se aproximou da militância e me senti mais excluído do q se estivesse na marcha pra Jesus.
    Cai fora sem interesse de voltar.

    Beijoka.

    Rubens.

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  5. Li por curiosidade o seu texto. Gostei muito.

    "É muito contraditório isso de buscarmos o direito à diversidade, enquanto exigimos padronizações. A igualdade que queremos é de direitos, não de comportamento."

    O seu texto encaixa-se em qualquer situação em que pessoas, independente da opção sexual, falam , criticam, apontam o outro e no final das contas nada fazem para mudar pois estão numa situação confortável e veem a desgraça do outro sentados na sua poltrona de R$2.000,00, ou ao volante do seu carro que custou os olhos da cara, mas que acham um absurdo uma doméstica querer ter um pouco de conforto em casa. Mesmo que esse conforto seja adquirido ao longo de 24 prestações ... ou seja são demagogas!!!

    Parabéns pelas ideias!!!

    Clara

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  6. Muito bom!! Inclusão de todos!! Valeu Júlio!

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  7. viva a simplicidade das palavras para que se tenha um bom entendimento


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