Por: Julio Marinho
A gente gasta tanto tempo, tanta energia tentando ser respeitado, que até se esquece que isso não passa de um dos direitos mais básicos. Desde o momento em que nos descobrimos - sexualmente falando - somos bombardeados por negativas, ofensas, tentativas de "cura", reprimendas e toda sorte de humilhações. Não me assusta que muitos acabem por dar fim a própria vida. É uma barra muito pesada passar os anos mais complicados da sua vida sofrendo com o peso do preconceito e da intolerância. Mesmo assim, a grande maioria atravessa essa fase e, apesar das feridas, segue de cabeça erguida. A gente acaba desenvolvendo uma fortaleza em torno de si mesmo que, aparentemente, nos torna invencíveis. Mas não é bem assim, não mesmo.
Essas feridas nunca cicatrizam, elas ficam ali abertas, expostas. E, a todo momento nos fazem lembrar o quanto sofremos. São anos difíceis aqueles em que sequer podemos contar com o apoio de um pai, uma mãe, um irmão, ou qualquer parente mais próximo. Claro que muitos têm essa sorte, mas são poucos, muito poucos. A grande maioria se acostuma a chorar sozinho no escuro, aprende que só pode contar com alguns amigos que, invariavelmente, e por passarem pelos mesmos problemas, acabam criando laços estreitos e fortes. A gente acaba criando o hábito de se esquivar, se esconder nos guetos, e aprende desde muito cedo que a mentira é a maior e a melhor das aliadas. Nos acostumamos tanto com esses artifícios, que sair dos "armários" da vida se torna uma tarefa das mais difíceis, aliás, para muitos essa é uma barreira intransponível. Estes estão fadados a morte social.
Como já dissemos aqui várias vezes, ser gay não é uma questão de escolha, mas para assumir-se gay é necessário ter a consciência de que existe um enorme possibilidade de que, hora ou outra, você será vítima de violência verbal e/ou física, por um estranho, ou pior, por um ente querido e amado.
Aqueles que se mantêm na clausura da opressão imposta pela sociedade heterosexista e homofóbica, são obrigados a levar uma vida dupla, recheada de contradições, culpa e o perigo real e eminente da exposição involuntária. Esses se acostumam a viver eternamente com uma lâmina afiada sobre suas cabeças. Vivem tão assustados e receosos, que acabam apontando o dedo para os que se rebelaram e ousaram sair. Um recurso baixo é verdade, mas isso lhes garante maior poder de disfarce. No fundo eu tenho pena deles. Pena e raiva ao mesmo tempo, mas podemos realmente culpá-los? Podemos culpá-los por serem fracos e aceitarem a submissão? Essa é uma pergunta muito difícil de se responder, na verdade, as vezes me questiono se temos mesmo esse direito. Existem horas em que eu acho que sim, temos esse direito, já em outras... apenas não sei!
Mas eu saí! Não saí em grande estilo, dando murros ou chutes nas portas dos armários. Saí aos poucos, quase me esquivando pelas fretas. Mas saí! Hoje posso olhar qualquer um de cabeça erguida e sem vergonhas e constrangimentos. Claro que o medo existe, afinal de contas, vivemos num mundo cheio de perigos, que nem sempre estão a espreita, na verdade, a maioria desses perigos estão ali na esquina, só esperando a gente passar.
Mesmo depois de tanta porrada, a vida continua sendo difícil e doída. Mas olha que coisa louca que é isso tudo. Mesmo diante de tantos percalços, e ainda assim, nós temos essa capacidade de nos reinventar e de... sorrir. Mais que isso, sorrimos, damos gargalhadas, dançamos, pulamos de alegria e... amamos. Amamos até aqueles que um dia nos maltrataram tanto, que nos pisaram e que fizeram de tudo para que não fôssemos hoje quem somos. Olha que grande ironia, no final das contas, nós, os enjeitados, os enxotados, os execrados, os párias, somos, justamente, aqueles que estendem as mãos.
Aqui estamos nós, os cidadãos de segunda classe, os marginalizados, os que têm seus direitos negados por uma sociedade hipócrita e injusta, os que são caçados diariamente pelo simples fato de amar alguém do mesmo sexo, ou assumir uma outra identidade de gênero. Aqui estamos nós, unidos e fortes, de cabeça erguida e com um largo sorriso nos lábios. Não lutando por aceitação, que dela não precisamos, mas por dignidade, respeito e cidadania. Nós que já fomos tão invisíveis, que já fomos vistos apenas como mera caricatura de nós mesmos. Hoje estamos aqui, brigando por coisas tão básicas, tão óbvias. E quando conquistamos um direitinho que seja, ele nos é jogado na cara como se fosse uma migalha, uma esmola.
Então, para deixar bem claro, nós não estamos mendigando nada, nós estamos EXIGINDO! Afinal de contas, nós não somos piores nem melhores do que ninguém. Enquanto cidadãos, somo iguais a todos e, enquanto pessoas, somos totalmente diferentes. Cada um de nós é um desafio. Ninguém é igual a ninguém. Alguns podem até considerar essa diferença como um fardo ou defeito, vivendo no medo e escondendo o seu eu verdadeiro, só posso lamentar, mas EU prefiro reconhecer essa diferença como nossa beleza natural. Na verdade, essa é a nossa maior qualidade. Não quero ser igual a ninguém. Sou e me permito ser totalmente diferente de qualquer outra pessoa desse mundo, mas quero que meus direitos civis sejam iguais ao de qualquer outro cidadão desse país.
Como pode, algo que parece ser tão simples e óbvio, se tornar um desafio tão grande?
Muito reflexivo texto amigo Julio Marinho, tenho estas mesmas dúvidas em respeito aos nossos pares, os quais sentem se mais confortáveis com a inércia diária.
ResponderExcluirMuito obrigado Lunna!
ExcluirUmmmmmmm, delícia de texto, como sempre! Viver recebendo preconceitos por todos os lados e em tudo é difícil. Mas estamos vivendo! Alguns, como você, lutando, criando um mundo melhor e mais justo. É isso!
ResponderExcluirBeijos e obrigado,
Ricardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br
Ah meu mestre, sempre tão generoso. Quase tudo que escrevo me espelho em vc meu querido. É sempre uma honra muito grande tê-lo por aqui me dando força e forma. Tu és um LUXO Ricardo Aguieiras!
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