Paradas do Orgulho Gay: Muito além do protesto!

Por: Julio Marinho


Todas as vezes que se fala em Parada do Orgulho Gay, há sempre quem se levante para criticá-la. Alguns acusam a Parada de ser exibicionista e dessa forma não contribuir para a igualdade de direitos. Outros dizem que orientação sexual não é motivo de orgulho. O fato é que, essas críticas acontecem todos os anos e, nem sempre partem apenas dos heterossexuais. Muitos homossexuais também a criticam, alguns por conta da homofobia internalizada, outros por não entenderem que a Parada não é apenas uma marcha de protesto. Na verdade, ela é muito mais que isso. Fora que, se alguém vai ali "apenas" para fazer "pegação" - ó o discurso moralista ai -, que seja. Afinal de contas, que mal há na alegria, na festa, na música, na dança, na paquera... Lembrando que, sexo - independentemente de orientação sexual - em local público está sujeito as penas previstas no artigo 233 do código civil (Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público) -, todo o resto - que esteja dentro dos limites legais - está mais que liberado, e é muito bem-vindo. Além do mais, quem há de negar o viés político de um beijo entre pessoas do mesmo sexo nesse contexto?

As Paradas vão além do protesto, elas dão visibilidade, força, autoestima, satisfação e celebram o orgulho da luta pela sobrevivência. E isso foi lindamente dito no texto "A boa alma carnavalesca da Parada", da ativista Ivone Pita. A parada não se limita a uma passeata nos moldes sindicalistas, nela desfilamos e exortamos nosso orgulho. E esse, a meu ver, deveria ser o mote principal do evento, porque apesar de tudo e da antipatia de muitos, nós temos sim muito orgulho. Orgulho de sobreviver às ofensas verbais e/ou agressões físicas, ao descaso com que somos tratados pelo poder público, as dificuldades pelas quais passamos no emprego, as humilhações que sofremos no seio de nossas próprias famílias, o bullying que sofremos nas escolas e por ai vai. Até porque, não há um dia sequer que não nos seja dito que devemos ter vergonha. Vergonha de sermos quem somos, de andarmos de mãos dadas com nossos parceiros ou parceiras e de demonstrarmos nosso afeto em público, de queremos partilhar uma vida com outra pessoa do mesmo sexo, ou por tomarmos a decisão de mudarmos de sexo, ou...

Segundo o escritor, dramaturgo e ativista Ricardo Rocha Aguieiras: "Uma festa também pode ser muito, muito política. Aliás, político é tudo! A Luta Homossexual (e sou um militante histórico, desde o Grupo Somos, em 1977/78) nunca foi apenas uma luta por Direitos legais, mas vai muito além, muito. E , para isso, sempre contou com a transgressão. [...] Impor normas de conduta, vestiário etc. é fascismo puro!"

O caráter festivo das Paradas não invalida o teor político e reivindicatório, pode-se ser engajado e alegre ao mesmo tempo. O problema é que a maioria dos críticos tem a ideia de que para protestar as pessoas têm de usar coturno, gritar palavras de ordem, fazer cara feia... enfim, tudo bobagem. A Parada não precisa ser sisuda, dá muito bem para protestar usando shortinho, minissaia, vestidão, roupas coloridas, burca, ou qualquer outra coisa que se queira usar. As pessoas estão ali para exaltar as liberdades, não para ficarem presas à convenções de moda e/ou comportamentos ditos "corretos". A palavra de ordem das Paradas de Orgulho Gay é transgressão, o que se pretende é justamente quebrar esses paradigmas, não perpetuá-los. Quem quiser que siga os modelos tradicionais de protesto - e tem todo o direito de fazê-lo -, o que não pode é tentar impor aos outros participantes um padrão de comportamento, esta é a forma mais eficaz e socialmente justificada de se perpetuar a discriminação. Quem impõe padrão de comportamento são os moralistas, lembrem-se disso.

Um homossexual não é identificável publicamente, já que não tem uma fisionomia distinta. A menos, é claro, que exteriorize a sua orientação sexual. Isto significa que diariamente algumas pessoas estão sujeitas a cruzar, dialogar ou sentar-se ao lado de um homossexual sem que disso tenham consciência. Até porque, numa sociedade heteronormativa, qualquer pessoa é heterossexual, até que se prove o contrário. No entanto, o mesmo não acontece com outros grupos, que são tradicionalmente vítimas de discriminação. Toda e qualquer pessoa de cor e/ou sexo diferente, tem características naturais imediatamente perceptíveis.

Homossexuais podem ser brancos, negros, ou orientais; podem ser mulheres ou homens; podem pertencer, ou não, a uma religião, partido político; podem ter algum tipo de deficiência física; podem ser de qualquer nacionalidade, status social, grau de instrução ou profissão. São, portanto, imperceptíveis. E é por tudo isso que existe a necessidade de nos expormos, de nos manifestarmos, de irmos para as ruas e dizer quem somos. E é assim que se quebram os tabus, não permitindo que o silêncio os cristalize. Heterossexuais não precisam declarar sua orientação sexual, porque ela já é socialmente assumida e aceita. Mulheres, negros e orientais não têm a necessidade de dizer quem são, porque seus corpos cumprem esse papel. Nós homossexuais não, e é por isso que temos que manifestar nossa sexualidade por outros meios, incluindo a polêmica Parada do Orgulho Gay, sob a pena de não termos direito à cidadania.

LGBTs passam por toda sorte de abusos diariamente, portanto, é mais que legítimo irem para as ruas lutar por seus direitos e gritar que têm orgulho de serem como são. É uma resposta ao medo e a vergonha que a sociedade faz questão que eles sintam. Já os heterossexuais não precisam de nada disso. Eles podem demonstrar seu afeto nas ruas, bares e restaurantes - sem que sejam agredidos por isso -, não precisam ter medo de dizer aos pais que gostam do sexo oposto, não são ignorados pelo poder público - pelo menos não por conta da sua orientação sexual - e podem se casar quando e como quiserem, nós homossexuais não. E é por essas contingências que saímos pelas ruas em nossa Paradas. Até porque, se não fizermos isso, ninguém o fará por nós.

Comentários

  1. RICARDO AGUIEIRAS02/06/2012, 10:14

    Ufa!!! Que texto!!!! Enfim, que todas as pessoas aprenda - e usufruam! - do valor que as paradas têm! Lindo!
    Beijo emocionado,
    Ricardo Aguieiras
    aguieiras2002@yahoo.com.br

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  2. RICARDO AGUIEIRAS02/06/2012, 20:29

    Júlio, veja isso que interessante: http://www.dci.com.br/steven-butterman-desafia-representacoes-da-parada-gay-de-sao-paulo-id296980.html

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  3. joshua oliveira24/05/2013, 21:23

    Muito bem escrito e por isso perfeito.

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