Por Ricardo Aguieiras
Andando pelas ruas de São Paulo, esta triste e amada cidade e refletindo sobre o envelhecimento humano e como é que eu poderia fazer para chamar a atenção dos gays para algo de tamanha importância, se boa parte é tão envolvida com o narcisismo e a ditadura da estética, corpos malhados (preferem o termo "sarados", mas eu acho extremamente preconceituoso, já que o contrário de sarado é doente, como se um corpo não musculoso fosse "não sarado", ou seja …doente), juventude eterna e negação da morte. Tudo isso são armadilhas, doloridas armadilhas que vão cobrar um alto preço mais adiante. Unido a tudo isso, tem ainda o grave preconceito contra os velhos em nossa sociedade, vistos como lixo e não como deveriam, ou seja : repertórios da Sabedoria, poemas em vida. Se encaram os velhos em geral assim, imagine o velho gay. Era 2004.
Aí veio um estalo na minha cabeça: uma frase: "Gays Sessentões também são sensuais". Essa foi a primeira. Fiz uma roupinha escandalosa, onde deixava minhas belas pernas tatuadas de fora… risos (por que não devo achar minhas pernas bonitas? Não falam que a gente tem que se gostar? Só por que não são malhadas, elas não seriam belas? Ou, quem sabe, por que não são mais …jovens??) e fui, só, para a Parada Gay de Sampa daquele ano. Foi um sucesso. Lembro-me de um rapaz que se aproximou e disse: "é a faixa mais inteligente da Parada…". Vocês vão falar que eu estou me gabando, mas, quando eu não estou burro, eu estou inteligente…risos… E aí tudo começou: entrevista para um jornal de Portugal, muitas fotos e etc.
As pessoas não acreditam que, até hoje, eu fiz tudo sozinho. Pensam que existe um grande grupo por traz, uma ONG de gays idosos e etc., mal sabem que esta é uma população extremamente difícil de ser trabalhada. Em 2005 eu tentei entrevistar lésbicas e gays idos@s, sem sucesso. Nos bares específicos para a população LGBT mais madura (poucos e raros espaços, mas existem…) eu nem chegava a ser recebido. Muitas vezes, fui olhado com péssimos olhos, não gostam da militância e temem a exposição. Aliás, encaram a militância como se fosse um "outing" obrigatório. E se retraem. Aqui e ali fui recolhendo histórias que revelavam a dimensão trágica de um quadro que ninguém quer saber de olhar, de mexer.
Em 2006 fiz minha faixa definitiva e foi outro sucesso: "Gays idosos também são (muito) gostosos". Eu não queria algo sério, tinha que ter um lance de humor mesmo que sutil, para combinar comigo. Nada contra os tradicionais slogans da militância, mas acho que a Parada não precisaria de mais um que escrevesse, apenas, por exemplo, "Chega de homofobia", isso todo o mundo já faz e fazia, meu caminho teria que ser outro. Tenho a impressão de que, se a reflexão vem acompanhada pelo riso – ou…sorriso -, ela fica mais forte, é mais eficaz. Eu adoro falar de assuntos sérios, mas também sou e sempre fui um farrista, um gozador, um grande contador de piadas. Se a revolução não servir para eu rir um pouco, também, esta não é a minha revolução.
Talvez, por até entrevista eu ter dado para o Fantástico em 2009, outra, de uma página inteira para o jornal "Estadão", que sempre teve um cunho mais conservador e cuja matéria saiu no próprio domingo da Parada, TV UOL, Bom dia Brasil e etc., este ano fiquei emocionado e muito grato com a Associação da Parada – SP e com seu presidente, Alexandre Santos. Ele me ligou no dia 30 de Abril, meu aniversário e me deu o presente maior, algo que me era então, inimaginável: um trio elétrico dos gays idosos são também deliciosos, dividido com os igualmente sedutores Ursos, outro movimento vindo para contestar a ditadura da estética e o olhar padronizado do que realmente seria a tal "beleza física", relativizando tudo e mostrando que há mais desejos e gostos do que possa imaginar a nossa vã filosofia. Nunca conseguiram me explicar, ninguém, nem o mais sábio dos intelectuais, nem a História, do por que corpos envelhecentes, ou gordos ou peludos ou… não podem ser ainda uma infinita fonte de prazer e de tesão e desejo. De amor.
Segundo as próprias projeções do IBGE e o consenso que é, ainda o Relatório Kinsey, seriamos hoje 1.930.000 de idos@s LGBT's. Seremos, então, 2.830.000 em 2020, um milhão a mais em apenas uma década! E nenhuma política pública de apoio social, moradias, saúde, nada. Trata-se de uma população extremamente estigmatizada. Enquanto vos escrevo, ainda rola no Congresso e no Senado discussões e mais discussões sobre de concedem ou não ridículos e ofensivos 7,7% de aumento aos aposentados, correndo ainda o risco do presidente vetar. Em oito anos de governo, Lula e o PT não fez absolutamente nada pelos aposentados, reforçando ainda a ideia de que são "vagabundos", rótulo já dado pelo Fernando Henrique Cardoso, no governo anterior. Ou seja, mudam-se os governos e as suas ideologias partidárias, mas o descaso é o mesmo. Convém aos poderosos considerarem aposentados como "vagabundos", podem, então, desviarem mais verbas públicas. Existem tênues reações, como de algumas excelentes teses acadêmicas e raros estudos, apenas. Só. Tod@s agem como se não fossem envelhecer, todos doutrinados e direcionados em seus desejos apenas para a fase da juventude. Uma mídia poderosíssima colaborando com o preconceito e a discriminação. Será que vocês podem perceber a dor imensa e cruel, crudelíssima que é um / uma LGBT ter que voltar ao armário e se enrustir novamente, depois de anos e anos de lutas, apenas por causa da fragilidade física, naturalmente provocada pela idade e por quem passa a depender de cuidados de terceiros, parentes ou em asilos? Mas, será que precisamos mesmo de tanta submissão e controle? Pra que? Ganhamos o que, negando o envelhecimento e a morte? Só teremos dimensão da Vida e do Viver, desta coisa magnífica que é o existir e dos inúmeros prazeres que o simples ato de respirar pode nos causar se reconhecermos a beleza do envelhecer e do morrer. Portanto, este ano, 2012, quando virem meu cartaz e eu passando pela Paulista e pela Consolação, lembrem-se: O Velho, mesmo quando se curva, ainda está de pé! E Grisalho é a sétima cor do Arco-Íris!
Emocionado aqui com esse texto... Concordo totalmente!! Pra mim, quanto menos jovem, melhor.
ResponderExcluirA primeira vez que vi essa figura quase mítica na Net, fiquei tão encantado que quase não acreditei. O Ricardo é muito do que eu sempre quis ser. Uma pessoa talentosíssima, corajosa, honesta, passional e muito, muito generosa. É uma grande honra tê-lo como amigo. Sou fã desse cara.
ResponderExcluirBrilhante o texto... Parabeens amigo...
ResponderExcluirUm Beijão nesta sua trajetória e pessoa.
www.vagnerdealmeida.com