Por: Ricardo Rocha Aguieiras
Para mim,
liberdade é muito pouco.
O que eu
quero ainda não tem nome.
Clarice
Lispector
Cansei.
Ando cansado de ver LGBT's comprando o discurso do opressor e
posando de bonzinhos, criticando a tal "promiscuidade" e
defendendo, até, a monogamia.
Toda essa reflexão minha já vem há algum tempo, mas acentuou
quando, esta semana eu vi num grupo do Facebook que eu participava,
uma discussão sobre a aprovação do remédio Truvada, da Gilead
Ciences, nos Estados Unidos, como um remédio capaz de prevenir o
HIV.
O Truvada já era usado em coquetéis antiaids desde 2004, mas só
agora será vendido lá como uma droga que impede a infecção em
pessoas saudáveis. Isso após anos de estudo, mundialmente chamado
IPREX (Iniciativa Profilaxia Pré-Exposição), que envolveu médic@s,
cientistas, estudantes, pesquisadores e 3 mil voluntári@s de seis
países, incluindo o Brasil e chegou ao extraordinário resultado
comprovando a capacidade de reduzir a infecção em 44 % dos homens
gays saudáveis e em 75% (!), num outro estudo ampliado com casais
heterossexuais onde um deles é soropositivo. E, em nenhum momento o
Estudo Iprex pregou a abolição da camisinha, ao contrário, todos
os voluntários eram orientados para o uso de preservativos e
cuidados.
Ora, isso seria para se comemorar, não? E comemorar muito, não? E
aplaudir muito, não?
Não! Mas não. Aí eu fui tentar entender o porquê. Confesso que
não entendi muito bem, mas vamos lá.
Desde que a epidemia de Aids começou, ela sempre foi um prato cheio
para @s moralistas de plantão. E para religiosos fundamentalistas,
conservador@s, para fiscais do cu (e da vagina, boca, mãos, etc.)
alheio... para os que vivem com o dedo em riste apontando o que @
outr@ faz, provavelmente por que morrem de desejo de fazer o mesmo,
mas o seu superego que Freud tão bem falava, não permite. Então se
corroem no desejo. Como não fazem, querem destruir aquele e aquela
que faz, matando no outro acreditam que estão matando o seu próprio
desejo, vontade. Precisam colocar o outro como um bode expiatório.
Agora, vem cá, o surpreendente é ver LGBT's, militantes
inclusive, condenando a divulgação do estudo alegando que "vai
aumentar a promiscuidade". Ou seja, uma descoberta cientifica
deveria ficar escondida, sob censura, em nome da moral e dos bons
costumes. Foi essa discussão que vi nesse grupo, grupo de
"militantes", tristemente. Seria preferível, então, que a
contaminação continuasse, gerando sofrimentos imensos, gastos com
internações, dinheiro público envolvido, tudo por temerem a
promiscuidade?
Qual é o mal da promiscuidade? Eu, realmente, não sei... A doença
é a Aids, provocada pelo HIV, um vírus que ganhou uma dimensão
cerceadora e um monte de símbolos e metáforas, mas é um vírus
somente, um vírus frágil, inclusive, que tem que ser duramente
combatido, sim, mas por que causa uma doença e não ser usado como
defesa de uma moral.
Muitos LGBT's, militantes inclusive, defendem um comportamento
"certinho"; "impecável"; "exemplar" – teve até uma
transexual defendendo a monogamia -, "bons costumes", "fidelidade";
tudo muito lindo e limpinho, cartesiano, defendem o "correto".
Ok, nossa sociedade atual tornou-se extremamente conservadora e
acabou repudiando importantes conquistas de liberdade, liberdade essa
que tantos e tantas lutaram para conquistar no passado. Mas penso que
LGBT’s não precisavam comprar esse conservadorismo de forma tão
radical. E pergunto: Esse não é o mesmo discurso de todos os nossos
opressores? A palavra "promiscuidade" foi usada, desde sempre,
para cercear a liberdade sexual. Sua, inclusive, não apenas a do
próximo.
Na ânsia de conquistarmos Direitos que nos são cerceados, o
movimento LGBT cai num outro equívoco, o de se comportar de acordo
com a moral deles, dos opressores heterossexistas e heteronormativos,
algo como "vejam como somos bonitinhos e bonzinhos, nos apoiem pelo
amor de Deus!"... Pois eu vos digo, não adianta nada isso. Ao
cruzarmos uma esquina com um bando de homofóbicos, eles não se
importarão em nada se você é abstêmio ou não, promíscuo ou não,
pagador de imposto ou não, cumpridor de deveres ou não. Bastará
você ser LGBT, só isso, para ser morto. Por mais "correto" que
você se comporte, isso não fará com que direitos sejam
conquistados. A homofobia não está sujeita à sua moral, seja ela
qual for... É engano pensar que seremos mais aceitos agindo conforme
a moral atual. Não devemos buscar aceitação, mas direitos iguais.
Ninguém é obrigado a aceitar nada nem ninguém, mas a respeitar
direitos. E você merece os mesmos diretos, seja você um promíscuo
ou não.
Acho que você tem que definir o "certo" e o "correto" para
você mesmo, não para o outro. Nenhuma luta te dá o direito de ser
juiz ou juíza de outrem, nenhuma, principalmente uma luta como a
nossa, que usa tanto a palavra "diversidade", ou será que a tal
diversidade que pregamos é uma mera falácia? Aceito a sua
diversidade desde que ela seja muito parecida com a minha
diversidade... risos... é isso? Nossa, como ficamos parecidos com o
inimigo, não? Quase idênticos... terei que concluir que, segundo
vocês, moralistas, em nome do combate à promiscuidade as pessoas
devem continuar morrendo? Melhor ter aids que tomar um remédio que a
previne? É isso? Você defende o obscurantismo e a censura, desde
que estas combatam a promiscuidade? Repito: por que a promiscuidade
te incomoda tanto? Medo de perder algo, perder @ companheir@ para a
promiscuidade? Ora, te falo com clareza: não se perde o que não se
tem.
Não. Não será em nome de luta nenhuma que eu vou ficar defendendo
a opressão, a censura e a caretice. NÃO! Lésbicas, gays,
bissexuais e transgêneros trazem dentro de si a carga saudável da
transgressão, transgressão amorosa, inclusive. Não vou defender a
caretice para ficar "de acordo" com o que os outros consideram.
Quero questionar sempre, nunca me adaptar. É por isso e somente por
isso que estou nessa luta desde 1978... ou antes, até...
O Truvada veio para libertar. É um recurso a mais, veio para somar
na luta contra o HIV e a Aids. É um avanço. Conhecimentos
científicos têm que ser oferecidos a tod@s, inclusive a@s LGBT's,
apropriados por tod@s, sejam promíscuos ou não. Promiscuidade é um
conceito relativo. E vamos tirar essa toga de juiz/juiza, se
realmente queremos um mundo melhor e mais livre.
Ótima análise compartilho pois a caretice no mundo atual atinge até os grupos excluídos da cidadania que entende como referência de saudável a normalidade patriarcal burguesa.
ResponderExcluirFukumaro, você deu uma força imensa ao divulgar.... Obrigado e um beijão!
ExcluirAguieiras, como eu concordo com você! Sou casado com outro homem há 11 anos, mas sempre achei que não devemos "copiar" um casamento hetero, mesmo porque não o somos! Somos gays e transgressores pela nossa própria natureza e uma coisa me deixa muito puto da vida: ver gays fazendo apologia de monogamia somente pra seguir o modelo heterossexual, heteronormativo, heterossexista. Vou compartilhar seu artigo no facebook. Parabéns, pois você conseguiu sintetizar o que também penso. Valeu. Obrigado!
ResponderExcluirAh, são pessoas como você, JCJUNIOR, que nos dão força para continuar... Beijo e obrigado!!!
ExcluirRicardo tem mesmo razão no texto dele. @s LGBT vivem uma crise de identidade. Como se vive um amor homossexual? Como se constrói uma família LGBT? Esta é uma identidade que ainda está sendo criada e por não termos referência nos apegamos ao modelo de amor, casamento e fidelidade heterossexual. Ora, este modelo não serve mais, nem mesmo aos heterossexuais. Todos fazem de conta que vivem uma vida heterossexual monogâmica e feliz; mais que isso: todos parecem dizer que fazem sexo do mesmo modo. Convenhamos, ninguém mais vive casado para sempre como meus avós (hoje casa-se muitas vezes durante a vida; fato que me parece muito salutar, posto que honesto); tampouco, depois de clinicar mais de 20 anos como psicanalista, conheço esta tão falada (e mentida) monogamia sexual. Ela até pode existir durante um tempo, mas aqui e acolá sempre se pula a cerca (porque, via de regra, monogamia sexual é igual à monotonia sexual). Todos mentem, dizendo o contrário, mas ninguém suporta isto muito tempo. O legal é amar e ser HONESTO consigo mesmo e com quem se ama; dizer ao outro seus verdadeiros desejos e atos, e suportar escutar o mesmo do outro. É hora de largarmos o modelo (falido) de amor heterossexual e encontrarmos o nosso próprio. Existem tantas formas de amor e de relacionamento, quanto de pessoas no mundo. Cada um tem um jeito de viver a própria sexualidade; saia da forma; descubra o seu!
ResponderExcluirParabéns pela coragem, Ricardo.
Também fico passado com esses discursos moralistas. Temos de ter a liberdade inclusive de sermos promiscuos, se esse for o caso. Cada um sabe quando, como e com quantos irá para a cama. Falta pouco para esse povo começar a aderir ao discurso do celibato.
ResponderExcluirQuerido Ricardo Aguieiras,
ResponderExcluirTudo bem? A primeira coisa que me chama atenção é o que texto possui dois focos, com enfase no comportamento. Mas o que realmente mais me chamou atenção foi que a pesquisa com IPREX (Iniciativa Profilaxia Pré-Exposição), chegou ao resultado da capacidade de reduzir a infecção em 44 % dos homens gays saudáveis e em 75% nos casais heterossexuais. Interessante. Onde tem essa pesquisa? Eles explicam a razão da diferença de resultados com heteros ser 75% e com gays ditos saudáveis de 44%?
Abs,
Carlos Alexandre
Oi, Carlos Alexandre, amigo e militante,
ExcluirVamos lá, eu tirei essas informações tanto do tempo (pouco) em que voluntariei(não com o remédio, apenas ajudando e depondo sobre ser soropositivo) no Estudo Iprex, bem como de uma reportagem da Revista Veja. Aqui: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/especialistas-dos-eua-aprovam-pilula-preventiva-contra-aids
Na caixa à esquerda.
Neste link, você tem mais detalhes:http://www.aidsmap.com/The-iPrEx-study/page/1746640/ De todo o modo, estou encaminhando suas questões para o Edmilson Medeiros, que foi um dos organizadores e coordenadores do estudo no Brasil, para que ele lhe explique com mais detalhes. Assim que ele me responder, te envio. Beijos e obrigado pela visita!
Cara, parabéns pelo texto. Não constumo comentar artigos de internet, pois tendo a crer que pouca diferença fazem os comentários de terceiros. Mas não podia deixar de prabenizá-lo pela clareza, objetividade e coragem no´pensamento e atitude em registrá-lo.
ResponderExcluirTe agradeço em nome do autor do texto Hamurabi. Mas vc está enganado em relação aos comentários, faz mauita diferença sim.
ResponderExcluirBoa noite.
ResponderExcluirColocou -se bem nas palavras e na forma de expressar as suas ideias, contratudo, é mesmo necessario que tenhamos varios parceiros sexuais para sermos felizes? desculpa, mas essa forma vazia e grotesca nao é a melhor para se viver, pois dividir a cama com alguem tem que ser univoco a vontade de todos, pois o que nos iria diferenciar dos animais? ou seja, nos resumimos a um pedaço de carne, onde todos podem experimentar, nao sou moralista, tenho mega-defeitos, mas, preciso me sentir um pouco fiel a minha propria palavra de ser fiel,honesto comigo mesmo, e nao a quem divido a cama, sou casado a 17 anos ininterruptos com um homem, ele ja me traiu, eu ja o trai, nos perdoamos, porem, nos encontramos na cama em uma ligação perfeita de corpos, com honestidade, ele ama minhas recentes rugas, e eu amo a cabelo grisalho dele, e se chegamos ate aqui preenchidos pela presença do outro, acima de todo preconceito é porque realmente nos amamos, os que precisam sempre trair seu parceiro com outro é porque esta se enganando 'fingindo' que ama inescropulosamente,sou fiel e feliz 'rs casado desde os 18 anos, ele desde os 18 tambem, desculpas se ofendi ao me expressar, é porque chega doer no imago ao ver como a sociedade gay esta ficando cada vez mais cheia de gay que choram antes de dormir por tanto vazio e essa tal 'promiscuidade' que tanto citou. obrigado ...fabricio_alemao23@hotmail.com
Percebe-se a quantas anda essa idéia de "novos tempos" em que se vê a promiscuidade, a falta de respeito e a falta de assunto que preste como um estilo de vida aceitável, nos sites direcionados ao público LGBT, no qual só se encontra anúncios de festas,a roupa ou a frase que a "DIVA" falou recentemente,sexo, etc, como se os gays não se interessassem por algo útil além dessas baboseiras. Eu acredito que um relacionamento tem que ser sim monogâmico e que devemos respeitar o outro e nos respeitar, não nos colocar "no balcão como carne no açougue"...
ResponderExcluirJá faz tempo, mas não fico quieto. Aos dois comentários acima, vocês têm o direito de ser como quiserem, o meu certo e errado não precisa ser o mesmo do seu.
ResponderExcluirMas, por favor, entendam: o seu certo e errado não precisa ser o de mais ninguém.
Posso ser promíscuo, monogâmico ou assexuado, mas nunca choro a noite antes de dormir. Até porque minha felicidade não depende apenas de um relacionamento.
...cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é... e todos merecem respeito por serem como são. Infelizmente temos muito ainda a evoluir como gente para entendermos isso! E pessoas como você Ricardo, fazem muito a diferença para chegarmos a um tempo de respeito pleno!! Super abraço!
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