Na semana passada (06/03/2012), a
pedido de organizações sociais, encabeçadas pela entidade Liga
Brasileira de Lésbicas, o Conselho da Magistratura do TJ-RS decidiu
positivamente sobre a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos nos
espaços públicos dos prédios da Justiça gaúcha.
A medida é meramente simbólica,
já que, para ações mais efetivas a favor da separação religião-Estado,
cumpre fomentar o debate sobre o fim da isenção de impostos para
entidades religiosas, muitas que vivem claramente de explorar a boa fé
do povo e a semear o preconceito e a intolerância.
Apesar de simbólica, contudo, a
decisão vem a calhar como um primeiro passo para um debate mais amplo
sobre o tema, pois, em nosso país, o Estado Laico nunca foi bem
resolvido, haja vista que até na Constituição de 88 se fala em "com a
proteção de Deus". De um lado, a Igreja Católica nunca se conformou de
ter deixado de ser religião de Estado e continuou e continua funcionando
como eminência parda de todos os governos. De outro, agora também
evangélicos usam dos partidos como meros hospedeiros a fim de atingir
seu verdadeiro objetivo que é chegar ao poder para evangelizar o Brasil.
E dá-lhe projetos absurdos de distribuir Bíblias, em escolas públicas,
de leitura de versículos da Bíblia também em escolas públicas, "curas"
de gays e até emendas constitucionais para dar poder a entidades
religiosas de propor ações de inconstitucionalidade e
constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a Constituição
Federal (PEC 99/2011).
Embora seja evidente que as religiões
de tradição cristã, como nesses poucos exemplos citados, não respeitam a
separação entre a religião e o Estado, não faltaram católicos dando
piti por causa da retirada de crucifixos das repartições públicas da
Justiça gaúcha. E de toda a sorte de falácias vêm se valendo, Internet
afora, para justificar seus posicionamentos: desde dizer que deveriam
então propor a retirada do Cristo Redentor no Rio ou mudar os nomes das
cidades brasileiras até anunciar uma suposta perseguição aos católicos e
demais cristãos, que estaria no bojo da retirada dos crucifixos, como
parte de um projeto maior de instalar o comunismo no Brasil (sic).
Como se não bastasse, para por mais lenha nessa fogueira onde o bom senso arde, o colunista João Pereira Coutinho,
da Folha, informa que, na Inglaterra, duas mulheres, Nadia Eweida,
funcionária da British Airways, e Shirley Chaplin, enfermeira, foram
suspensas por se recusarem a remover os crucifixos enquanto trabalhavam,
acabando a segunda até demitida. Pior, informa que "o governo de
David Cameron prepara-se para apoiar a decisão das entidades
empregadoras junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, votando a
favor da proibição do uso de crucifixos". E termina dizendo o óbvio:
tal veto é um ataque à liberdade individual das pessoas manifestarem
crenças ou valores em público sem temer represálias ou perseguições.
Ao que tudo indica, fanáticos
religiosos e secularistas estão empenhados em recriar uma nova guerra
nada santa contra a liberdade de expressão. Reivindicar a retirada de
símbolos religiosos de instituições públicas é uma coisa. No caso do
Brasil, por exemplo, embora a população, em sua maioria, professe a fé
cristã, existem várias outras religiões com milhares de seguidores no
país, sem falar dos que não têm religião e ainda dos que não têm
religião nem creem em Deus. Entretanto, todos pagam impostos, todos são
igualmente financiadores do Estado brasileiro, portanto, o Estado não
pode demonstrar parcialidade, ostentado símbolos de uma religião em
particular, com a desculpa esfarrapada de assim fazê-lo porque o Brasil
tem tradição cristã. O Estado e as instituições públicas são financiadas
por todos nós, não podendo tomar partido deste ou daquele credo, usar
dinheiro público para divulgar os princípios de qualquer religião em
particular. Difícil entender como algo tão simples não entra na cabeça
de muitos.
Agora, outra coisa é querer proibir as
pessoas individualmente de demonstrar sua fé por meio de um colarzinho
com o crucifixo, com a estrela de David, o Quarto Crescente, o Buda,
etc. Entende-se a proibição da burca em espaços públicos na França
devido ao fato de a vestimenta esconder a identidade de quem a usa, sem
falar nos casos em que já escondeu artefatos bélicos (e não venham me
dizer que não). Além disso, quando em Roma, comporte-se como os romanos.
Em países islâmicos, portar qualquer símbolo religioso não-islâmico
significa muitas vezes uma sentença de morte. Por que não pode então um
governo ocidental exigir de imigrantes muçulmanos pelo menos um
comportamento mais condizente com nossas sociedades? Para expressar sua
fé, as muçulmanas podem perfeitamente usar um lenço sobre a cabeça ou
portar um adereço com o Quarto Crescente. O mesmo para integrantes de
qualquer religião. Nada justifica que uma pessoa não possa ter a
liberdade de expressar aquilo em que acredita em termos de religião ou
política, desde que respeitando as crenças alheias e o contexto onde
vive.
Triste ver que os exageros de
ambos os lados, além de retroalimentar os respectivos fanatismos,
ameaçam duas das grandes conquistas da humanidade: a democracia e os
direitos individuais. Impossível não lembrar do enorme contraste
existente entre a evolução tecnológica humana e a involução social e
política da espécie que continua desrespeitando a diversidade em todos
os sentidos. Precisamos congregar gente equilibrada. É urgente!
Miriam Martinho é a nossa Decana do Movimento LGBT, lutando desde a fundação do Grupo Somos de Afirmação Homossexual, em 1978 e depois no Coletivo Lésbico-feminista e em outros grupos lésbicos. Fundou o Um Outro Olhar,(http://www.umoutroolhar.com.br/), tem um blog famoso , o Contra o Coro dos Contentes (www.contraocorodoscontentes.blogspot.com), há muitos anos já realizava o registro civil da união entre mulheres, cuida de arquivos com todo o histórico do Movimento lGBT, estava presente na invasão do Ferro's Bar, em São Paulo, divulgando o jornal léswbico "Chana com Chana", invasão essa que ficou famosa e conhecida como o "Stonewall Brasileiro" (fez um vídeo resgatando o acontecimento), é jornalista e colaborou com inúmeros artigos e sua luta de 33 anos foi interrupta, vitoriosa. Um grande referencial da intelectualidade brasileira. Posicionamentos fortes, claros, libertários e provocadores, líder absoluta que agrega em sua força, também, a defesa dos animais. Ufffa!!! VIVA MÍRIAM MARTINHO!!!
ResponderExcluirRicardo Aguieiras
aguieiras2002@yahoo.com.br
Análise perfeitamente sensata. Mesmo sendo cristao espírita, concordo com a explanacao sobre direitos. Espero que isso avance...
ResponderExcluirTambém espero que a discussão avance.
ResponderExcluirMas, sendo pai de um menino gay, não me peçam pra falar fino com as instituições religiosas, não me peçam que, para agir em defesa da sua vida, eu deva prostar-me como se estivesse pedindo desculpas para ssa gente de fé obtusamente letal.
Homofobia mata e eu pretendo que meus filhos me levem pra sepultura.
Intolerãncia religiosa que resulta em exclusão e intolerãncia, bem, no que me diz respeito, e por meu filho, eu trato a pontapés.
Por enquanto.