A velha desculpa do "comportamento de risco"

Dia desses em um debate, tive o desprazer de ler a mensagem de uma pessoa que, ao comentar o assassinado de um homossexual idoso por um jovem (após um encontro sexual), teve a capacidade de dizer, que esse mesmo homossexual havia sido morto porque tinha assumido um "comportamento de risco". Sim, exatamente isso, essa tal pessoa, que prefiro não identificar, jogou a culpa do assassinato, na vítima. Não sei para vocês, mas esse tal "comportamento de risco" me soa como um eufemismo para "morreu porque era viado", ou "morreu porque era uma bicha velha e, ousou trepar com um jovem", como se heterossexuais não fizessem isso a todo momento, e, nem por isso são acusados de assumir esse tal "comportamento de risco", aliás, muito que pelo contrário. Ou seja, isso é coisa de gente que coloca a culpa do estupro nas mulheres estupradas, do racismo nos afrodescendentes, da pedofilia nas crianças etc.

Essa mania de inverter os papéis e colocar a vítima como algoz é prática tão antiga, quanto absurda, e só serve para tornar confortável a vida dos que teimam em excluir e negar as minorias dignidade e cidadania. E o pior é quando essas ideias toscas, esses conceitos rasos, veem embalados por um discurso pseudo-intelectual, mas que não passa de moralismo barato e sem valor nenhum. Isso só prova o quanto existem pessoas ignorantes e/ou mal-intencionadas no mundo.

Diante dessa noção de "comportamento de risco", eu sou obrigado a me perguntar: O rapaz, que caminhava com seus amigos tranquilamente na Av. Paulista, e levou um lâmpadada na cara assumiu um "comportamento de risco"? O pai, que simplesmente abraçou seu filho e teve a orelha decepada, estava também ele assumindo um "comportamento de risco"? 

Eu sinceramente acho mais nociva as atitudes dessas pessoas que, por terem internalizado a homofobia - e reproduzem esse discurso - do que as declarações de homofóbicos confessos, porque desses nós já esperamos essa postura, e, por ser tão clara e identificável, fica mais fácil de refutar. Mas como desconstruir o discurso de alguém que alega estar sendo prudente e protetor? Um homofóbico tem plena consciência dos seus ideais, mas e aquele homossexual egodistônico, que por conta de anos de pressão heteronormativa, enraizou dentro de si mesmo esses estigmas? Estas pessoas estão tão convencidas da sua inferioridade, que é quase impossível fazê-las acreditar que essa postura coloca em risco a sua imagem e a sua cidadania.

Apesar de saber que essas pessoas não tem culpa de terem sido tragadas pelas areias movediças da heteronormatividade reinante - e é lamentável que assim o seja - não posso aceitar esse discurso do tipo: "comportamento de risco", porque senão estaremos fadados a clausura física e social, que aliás, tentam, já faz um bom tempo, nos impor.



Comentários

  1. Muito boa a sua postagem!!! vou repassar! abraços!

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  2. RICARDO AGUIEIRAS09/01/2012, 18:51

    Esse texto está excelente!!!! Julio, você está de parabéns! Beijo da bicha muito velha que te ama tanto e tanto...
    Ricardo Aguieiras

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  3. Compartilhando !!! ;)

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  4. Pierre Freitaz10/01/2012, 00:45

    Muito bom este artigo...... Irei compartilhar nas redes sociais que faço parte

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  5. Belíssimo e coerente texto. Essa é uma verdade absoluta.

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  6. Excelente e sensato! Homofobia nao se combate somente na linha de frente. É preciso atuar nessa retaguarda medíocre e cruel. Parabéns! Christian Petrizi.

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