Quando o tamanho do clitóris era sinônimo de lesbianismo

Esta foi uma das crenças mais bizarras sobre lésbicas que veio a se estabelecer no imaginário coletivo por mais de quatro séculos, e pior, esse mito foi aceito em círculos de estudiosos e cientistas. Além de todo esse absurdo, ainda hoje, pouco se fala sobre o assunto.

Os primeiros exploradores europeus que vieram para a África, disseram ter encontrado mulheres indígenas equipadas com clitóris extremamente grandes, e que eram utilizados como um "pênis feminino" em orgias. A África era ainda um continente selvagem, e para novos visitantes, era absurdamente estranho que tribos ancestrais tivessem rituais sexualmente tão diversos.

Fazendo coro a essas visões deturpadas, Dr. Nicolas Venette escreveu em 1687 o seu famoso "Tableau de L'Amour conjugale", um tratado popular de amor que foi reproduzido em doze edições. Nele, Venette escreveu: "Sappho, a lésbica, não teria ganho sua notória reputação, se tivesse um clitóris pequeno." A ignorância da época, aliada a sua forte imaginação, levou o Dr. Nicolas a criar uma grande mentira, a de que: "uma mulher pode chegar a autofecundação se penetrada pelo seu próprio clitóris.", no entanto, teria dito o fantasioso Dr., "Felizmente nunca tentei provar isso."

O conceito de mulheres com grandes clitóris, fascinava a comunidade científica na época. O proeminente anatomista, Georges Cuvier, ficou fascinado com o esqueleto e os órgãos genitais de uma famosa Africana, Sara Baartman, após sua morte. Finalmente, foi outro médico francês que decidiu realizar um estudo "in situ" para corroborar a teoria de: clitóris grandes = lesbianismo. Existem muitas evidências anedóticas de que as prostitutas francesas do século XIX, não tinham preferências e desfrutavam suas vidas sexuais tanto com homens como com mulheres. Neste cenário, em 1834, o médico sanitarista, Alexandre du Châtelet, fez uma análise detalhada dos clitóris de 3.250 prostitutas parisienses, e tentou provar a teoria absurda.

Infelizmente, para ele, em apenas três prostitutas foram encontrados clitóris de mais de uma polegada de comprimento. E, nenhuma das três era lésbica. Apesar do desapontamento, Du Châtelet escreveu: "Pude conhecer uma série de meninas que gostam e praticam este abominável vício [lesbianismo], mas percebi que, ao contrário da crença popular, eram delicadas, tinham uma voz suave e outras qualidades muito femininas."

A história das relações lésbicas tem sido manchada por tabus e muita falta de informação. Muitos países europeus e as primeiras colônias americanas tinham leis bastante severas em termos de "relações não-naturais" entre as mulheres, e, claro, tudo isso foi apoiado pela Igreja. No entanto, apesar do rigor das leis, houveram bem poucos casos conhecidos onde elas foram aplicadas.

Há no entanto uma notável exceção, um evento raro aconteceu na Prússia em 1721. O de uma mulher que, na maior parte da vida, se passou por um homem e que por algum tempo serviu como um soldado, a fim de ter relações sexuais com outras mulheres.

Catharina Margaretha Linck se alistou em um regimento do exército prussiano como um soldado de 20 anos de idade, mas usando o nome falso de Anastasio Lagrantinus Rosenstengel. Ele produziu um pênis de couro com dois testículos, feitos com bexiga de porco recheada, e teve relações sexuais com várias prostitutas e até mesmo as viúvas de alguns de seus companheiros, mas só o fazia no escuro, por razões óbvias, e ninguém nunca notou nada de anormal.

Os problemas de Anastasio começaram quando ele completou 23 de idade, e se casou com uma garota bela e virgem de 18 anos. Após vários meses de tentativas de relações sexuais dolorosas, a noiva finalmente descobriu o segredo de seu marido e voltou para a casa da sua mãe, que, após uma discussão, denunciou o "genro" as autoridades.

O processo judicial, e moral, se complicou quando Anastasio disse as autoridades que, na qualidade de marido, tinha todo o direito tirar sua esposa da casa da mãe, e, além disso, ela sempre soube qual era o seu verdadeiro sexo. O casal também admitiu que ele, como homem, as vezes colocava o pênis de couro na boca de sua esposa.

Os juízes, obviamente, ficaram confusos e não sabiam de que forma fazer justiça num caso sem precedentes como este, assim que começaram a se esboçar os vereditos e se tecer as teorias sobre se, a "sodomia oral" era ou não um crime capital, se houve delito, já que não houve ejaculação, e assim por diante.

Após a reconstrução dos fatos e após as provas pertinentes (incluindo a curiosidade da população), os juízes decidiram que era sim um caso de sodomia, mas que fora praticado por um instrumento de couro, "sem vida", e que a acusada não era dotada, como as mulheres africanas, de um clitóris grande o suficiente para a penetração. Também foi observado que a Bíblia não se refere expressamente as relações "não naturais" para mulheres, como faz com os homens.

Apesar de tudo, e depois de muita teoria judicial, o marido, Anastasio Lagrantinus Rosenstengel (Catharina Margaretha Linck), foi condenado a ser decapitado, enquanto sua jovem esposa foi condenada a três anos de prisão. O veredicto foi apresentado ao rei Frederico Guilherme I da Prússia, para aprovação final, mas foi observado que alguns promotores recomendaram comutar a pena de morte para algumas boas chicotadas e prisão perpétua. A sentença não foi comutada e Anastasio acabou por ser decapitado em novembro 1721 em Halberstadt, na Saxónia, e depois seu corpo foi queimado na fogueira.


*Esse artigo foi traduzido (algumas coisas foram alteradas para melhor compreensão) do ótimo site Cáscara Amarga.

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