Nem todo gay é urbano!

Por: Julio Marinho

Me aborrece profundamente essa ideia, que alguns têm, de que todo gay vive em cidade grande, é fashion, requintado, segue as últimas tendências, curte as bandas "da hora", é rico, bem formado e outros que tais. Não que muitos não sejam mesmo, e nem que isso não seja uma coisa bacana. O problema é quando isso vira uma espécie de "padrão gay de qualidade".

Eu não sei se a maioria das pessoas sabe, esquece, ou finge não saber, mas existem gays que são provincianos, que não sacam nada - aliás, muitos nem ligam mesmo - de moda, que curtem música brega, não são cultos - na verdade, muitos nem puderam estudar - que não tem grana etc. E, nem por isso deixam de ser gays. São, e merecem todo o respeito. Aliás, acho que eles merecem até mais atenção, já que estão mais expostos às manifestações de intolerância e violência, pelo simples fato de não saberem e/ou não terem como se defender. Me incomoda muito o fato de uma parcela da comunidade LGBT, que por se sentir "diferenciada", aponte o dedo aos que não correspondam as suas expectativas elitistas. Se, mesmo os LGBTs de "elite" estão sujeitos a discriminação e manifestações de violência, imaginem os que não fazem parte dessa suposta elite? Nós que, supostamente, lutamos por igualdade de direitos, dignidade e cidadania, temos a obrigação de ter um olhar mais atento para essa parcela da população que, por conta de todo o contexto em que vive, se torna ainda mais fragilizada.

Ao contrário das grandes cidades, onde existem espaços para todas a tribos, no interior, na maioria das vezes, não existe sequer um único espaço. Numa cidade do interior, a opção do anonimato, que pode funcionar como uma forma de defesa, é bem menos acessível. Via de regra, numa cidade pequena quase todo mundo se conhece. Nessas cidades existem apenas três opções para os LGBTs:

 1) Ou eles se camuflam, mantendo relações com pessoas do sexo oposto e levando uma vida incompleta e infeliz.

 2) Assumem sua orientação sexual, e viram motivo de chacota e toda sorte de discriminação e violência.

 3) Se escondem, vivendo de maneira reclusa, e virando motivos de intrigas e fofocas.

A única saída seria migrar para os grandes centros e, com sorte, ser acolhido pela comunidade local. O que, por conta de um certo pedantismo, não é algo muito fácil de acontecer.

Não, eu não sou ingênuo de esperar que, LGBTs por conta do preconceito que sofrem, deixem de ser opressores também, aliás, esse fenômeno é comum a todas a minorias vitimas de intolerância, exemplos é que não faltam, a gente cansa de ver negros e feministas sendo homofóbicos, LGBTs sendo racistas etc. Entretanto, eu preciso acreditar que haja pelo menos um esforço para que saibamos olhar o outro com um mínimo de dignidade, e enxergar ali uma pessoa com os mesmos direitos. E, quando digo direitos, não estou me referindo apenas aos civis, me refiro também ao direito de não ser "chic", de não usar "roupas da moda", de não escutar ou conhecer a "banda do momento", de não curtir a "balada da hora", de não estar afinado com as mais novas tecnologias, de nunca ter sequer ouvido falar em Rousseau, Foucault, Nietzsche, Aguieiras etc., de não saber o que significa ser LGBT, Queer, Cisgênero, Transgênero etc.

Seria maravilhoso se todos tivessem acesso a cultura e educação, mas como esperar isso, se nem acesso à dignidade essas pessoas têm? Acho muito bacana ser culto e bem educado, mas de que adianta isso tudo, se não se consegue sequer ser tolerante com aqueles que não tiveram a mesma sorte?

Comentários

  1. RICARDO AGUIEIRAS02/01/2012, 19:24

    kkkkkk. Amei! Mas, cuidado, que @s inimigos e inimigas vão odiar o meu nome aí...
    De todo o modo, triste perceber os meandros da opressão e que também há opressores e opressoras "cosmopolitas" entre nós, LGBT's.
    Beijo
    Ricardo Aguieiras
    aguieiras2002@yahoo.com.br

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  2. Ótimo texto. Seria maravilhoso se os LGBT's de "elite" tivessem todos essa consciencia. Mas infelizmente não é assim q a coisa acontece...

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  3. Marginalizado pelos marginais11/10/2013, 21:20

    Texto muito bom!

    Por outro lado, também é muito comum ver gays do interior com homofobia internalizada distribuindo discursos homofóbicos, defendendo "moral e bons costumes" e cometendo discriminação principalmente contra afeminados.

    A educação - de qualidade - faz muita falta a todos nós, mesmo a muitos que tem até formação universitária, todavia, acho justo - justíssimo, pra ser exato - que as pessoas mais esclarecidas e com mais oportunidades de acesso à informação também sejam as mais cobradas quanto à não-discriminação preconceituosa!

    Ainda temos muito chão pela frente, muito mais que a nossa breve existência pode trilhar. A vida é urgente, então as mudanças de mentalidade e atitude devem ser "pra ontem"!!!

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  4. Ler esse artigo é um presente para mim. Muito interessante o debate sobre o "Padrão Gay de qualidade". Será que existe? (rsrsrsrs).
    A intervenção de #JulioMarinho nos preconceitos que fraguimentam a luta LGBTT em nosso país é de suma importância para avançarmos no debate de conscientização social e na luta por direitos. Porém, discordo ao colocar a culpa dessa fraguimentação na falta de educação, ou melhor, 'oportunidades' ditas no artigo.

    No todo ... #Adorei #Arrasou
    Abraços

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