Saudosa Boate "O Boêmio"!

É impossível falar da noite LGBT carioca sem se lembrar da extinta Boate Boêmio. Eu já havia falado do Cabaré Casanova aqui. As duas casas tinham suas particularidades e semelhanças, mas confesso que o Boêmio era o meu local preferido, talvez pelo fato de ser ainda  mais eclético do que o Casanova.

Eu comecei a frequentar o Boêmio em 1983, tinha na época 16 anos, e era muito engraçado porque como eu era de menor, os seguranças só deixavam eu entrar quase no final do furdunço, lá pelas 3 ou 4h da manhã. Mesmo assim eu me divertia muito. Lembro que quando fiz 18 anos achei o máximo poder entrar ainda no começo da noite. Meu primeiro namorado conheci lá no Boêmio, o mais engraçado disso é que enquanto durou o namoro, nós não íamos a Boate, ele era ciumento ao extremo. Nem preciso dizer que o namoro não durou muito né? Mas enquanto durou foi maravilhoso, afinal de contas, a primeira paixão a gente nunca esquece né não?

O Boêmio tinha algumas particularidades bem interessantes, a primeira delas era sua localização. Ficava situado num ponto nobre do centro do Rio, na esquina da rua Santa Luzia com Rua do México, bem próximo a Cinelândia. O segundo ponto a favor e um dos motivos do sucesso do Boêmio era o "trash", escatológico e maravilhoso show da lendária Laura di Vison. Os shows de Laura eram umas das coisas mais incríveis na vida cultural do Rio de Janeiro naquela época. Eram apresentados de quinta a domingo e sempre com casa lotada. As performances inacreditáveis de Laura lhe valeram fama não somente no Rio, mas também no exterior, chegando inclusive a ser capa comemorativa dos 2 anos da “Out Look”, badalada revista gay norte-americana. O ápice do shouw de Laura era quando ela interpretava "This is my life" e se transformava numa enfermeira, "abria" o paciente e comia seu fígado, e comia mesmo, mas um pedaço enorme de fígado de boi cru, era uma catarse total. Volta e meia rolava, absolutamente nua, pelas escadas fazendo caras e bocas e sendo ovacionada por cerca de 600 pessoas. Laura foi um ícone do underground carioca nas décadas de 70, 80 e 90. Espontânea, crua e irônica, esta estrela charmosérrima provocou e levou ao êxtase plateias lotadas! Alegre e apaixonada por prazer e plumas, deixou de queixo caído de renomados sociólogos a personalidades internacionais, como Jean Paul Gaultier. Quando soube que Laura lecionava história e moral e cívica na rede pública, Gaultier ficou pasmo: "Interessante essa faceta dupla, isso não seria permitido pela moral francesa".

Por conta desses dois aspectos o Boêmio era tão popular. Não tinha uma decoração bacana, aliás, nem tinha decoração. O público era majoritariamente do subúrbio e da zona norte. Mas muita gente chique da zona sul batia ponto por lá, inclusive muitos artistas famosos, prefiro não citar os nomes, mas posso garantir que vi muitos globais curtindo horrores o point mais eclético e mais divertido da cidade.

Isso tudo faz parte de um tempo bem mais saudável e seguro, em que se podia sair a noite no Rio de Janeiro, com razoável tranquilidade. Fiz muitos amigos naquele tempo e, em grande parte, graças ao Boêmio. Bem, acho melhor parar por aqui, senão o texto fica longo demais. Se eu for contar tudo o que acontecia e o que vivi naquele espaço teria que escrever um livro. Aliás, taí uma bela ideia, alguém se habilita?