As contradições do povo brasileiro.

Segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope e divulgada nesta quinta-feira, 55% dos brasileiros são contrários a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que reconheceu a união de casais do mesmo sexo. 

As porcentagens variam de acordo com alguns aspectos, mas a mais importante, para mim, é a referente ao nível de escolaridade, ou seja, considerando esse fator, 68% das pessoas com a quarta série do fundamental são contra a decisão, enquanto apenas 40% da população com nível superior compartilha a opinião. O que prova que, quanto menos informação maior o preconceito.

O povo brasileiro tem dessas contradições, liberais em alguns casos, e totalmente retrógrados em outros. Um texto do Jornal Cruzeiro do Sul fala exatamente desse paradoxo. Segue abaixo:


A lenda do brasileiro cordato.

"Aos poucos, o Brasil se dá conta de que a autoimagem de povo amigo e receptivo, cultivada ao longo do tempo, não passa de folclore nacional.

Quando o assunto é preconceito, a sociedade brasileira desafia as definições e desaconselha os rótulos. Somos um povo evoluído? Sim e não. Sim, quando entram em análise as recentes conquistas sociais de segmentos tratados habitualmente como gente de segunda categoria, pela cor de pele, classe social ou orientação sexual - uma evolução jurídica e legal de que o reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tornou-se um marco histórico. Não, quando abrimos o jornal e deparamos com explosões bárbaras de intolerância como aquela que vitimou um pai e um filho em São João da Boa Vista (SP), na última semana: confundidos com gays por uma gangue de rua, eles foram agredidos covardemente.

 Aos poucos, o Brasil se dá conta de que a autoimagem de povo amigo e receptivo, cultivada ao longo do tempo, não passa de folclore nacional como a mula sem cabeça ou o saci-pererê. Cada vez mais, o brasileiro exercita em relação a si mesmo - aos seus semelhantes, que julga diferentes - a mesma intolerância a alteridade que costuma apontar como grave defeito moral em outros povos.

 Sem poder usar a máscara de cordialidade, que não lhe serve mais, procura pela verdadeira identidade e encontra fragmentos contraditórios: as novelas da TV, o mundo das artes lhe indicam que existe, sim, um novo ambiente social; a realidade das ruas, das escolas, do trabalho prova, a todo momento, que não é bem assim.Seria conveniente explicar a contradição pela resistência de segmentos isolados, que relutam em aceitar as mudanças da sociedade e se rebelam de forma violenta.

 Sob este prisma, a evolução rumo a tolerância seria um movimento majoritário e, portanto, irresistível, não havendo razões mais sérias para preocupação já que as resistências estariam fadadas a ser, sempre, exceções. Essa, porém, é uma forma simplista de ver o preconceito, que parece emanar não de grupos, mas de contradições inerentes à generalidade das pessoas. Sob este prisma, explosões de ódio são mais preocupantes, pois indicam um estado latente, que os polidos e dissimulados sufocam ou escondem, em nome de uma imagem politicamente correta.Existem pessoas livres de preconceitos?Certamente, existem. Elas podem ser consideradas um padrão entre os brasileiros? Lamentavelmente, não.

O preconceito e a intolerância são arraigados, e não basta discuti-los racionalmente, a luz da Constituição ou dos direitos humanos. É preciso trabalhá-los intimamente, sem hipocrisia, sem subterfúgios, no plano da consciência e dos sentimentos. O povo brasileiro - e também o movimento gay, que começa a rever algumas de suas estratégias, como a opção por paradas carnavalescas pouco condizentes com a luta por direitos - tem uma lição de casa a fazer, no sentido de harmonizar sua essência com a imagem que faz de si. É preciso buscar a convivência no sentido amplo, do respeito e da fraternidade, mais do que das palavras e das leis. E os pais, nesse aspecto, têm grande responsabilidade, pois de nada adianta se dizerem tolerantes se mantêm, em casa, diante dos filhos, atitudes e comportamentos de escárnio e intransigência. Assim como tantas outras coisas boas ou más, os preconceitos são aprendidos primeiramente no lar. É ali, na observação dos arquétipos familiares, que se formam os valores. É ali, fundamentalmente, que se aprende a conviver com a diversidade ou reagir a ela a socos e pontapés."

Fonte do texto: Cruzeiro do Sul

Comentários