Texto de Jean Wyllys para a Carta Capital.

Fé cega, faca amolada

O episódio envolvendo o projeto Escola Sem Homofobia do MEC  e a marcha cristã contra o PLC 122 (que revê punições para quem viola a dignidade e os direitos de minorias vulneráveis, como idosos, pessoas com deficiências e LGBTs) me suscitaram uma questão que está ligada ao crescimento do fundamentalismo religioso e aos esforços deste para converter seus dogmas em leis para todos. A questão nos leva a crer que o Estado laico e de direito, as liberdades civis e o humanismo estão ameaçados pelo fundamentalismo cristão (católico e, sobretudo, evangélico neopentecostal).

Em primeiro lugar, quero ressaltar que não estou me referindo à totalidade dos crentes cristãos, mas apenas aos fundamentalistas. Conheço muitos crentes católicos e evangélicos que comungam do respeito (e até se sacrificam) pelas liberdades, pela justiça e pela humanidade. Eu mesmo fui educado no cristianismo católico e herdei, do catecismo e das comunidades eclesiais de base, o humanismo e o amor pelo outro que hoje defendo, embora não seja mais católico. Há muitos outros crentes que defendem o mesmo. Mas não é o caso dos fundamentalistas.

Cristãos fundamentalistas são aqueles que crêem na Bíblia sem interpretá-la. Acreditam nos fundamentos de sua religião como verdades absolutas e inquestionáveis – e a Bíblia, como um texto literário escrito em contexto histórico e social bastante diferente do nosso, na maioria de suas passagens não deve ser tomada ao pé da letra. O fundamentalismo religioso tem, então, total identidade com o fanatismo e com o obscurantismo.

As idéias de cristãos fundamentalistas acerca da homossexualidade – de que esta é uma doença ou um “pecado mortal” e que os homossexuais vivem em pecado e que, portanto, “não herdarão o reino dos céus” – são obscurantistas e fanáticas e abrem mão da razão.  Esses “cristãos” – muitos deles ocupando espaços na tevê, nas Assembléias Legislativas, Câmaras de Vereadores e no Congresso Nacional – querem que mulheres e homens vivam segundo leis e valores descritos em um livro (a Bíblia) escrito há dezenas de séculos antes de nós. Querem que joguemos fora todas as descobertas científicas e argumentos filosóficos acumulados nos últimos dois mil anos de discurso humano para vivermos conforme vivem os personagens da Bíblia. Não! Mulheres e homens precisam desenvolver suas virtudes e possibilidades humanas, precisam ser humanistas e lutar pelas liberdades civis.

Não se calar diante da tagarelice desses parlamentares e de outros fundamentalistas é, portanto, lutar pela respeito mútuo entre os diferentes, pela solidariedade entre os seres humanos, pela liberdade de crença e de descrença (sim, ateus e agnósticos têm o direito de não crer e nem por isso devem ser considerados pessoas sem ética) e pela laicidade. Em seu Artigo 19, a Constituição afirma que o estado brasileiro é laico e que, como tal, não deve nem pode estabelecer preferências entre as religiões. O texto constitucional dá à pessoa humana o direito de acreditar ou não em um ser divino, mas, afirma que o estado não tem sentimento religioso.

A história nos mostra que o fundamentalismo em qualquer religião só leva as pessoas ao autoritarismo, à escravidão e à violência. Fundamentalistas não têm compromisso com a ética que assegura a vida nem com o bem-estar de todos. Essa gente quer estabelecer a paz dos cemitérios. Como diz a letra da canção, “fé cega, faca amolada”.


Como já havia dito aqui, Jean Wyllys é o único representante declaradamente homossexual em nossa política. Apesar de todas as suas qualidades, ainda é muito pouco. Precisamos de mais representantes dispostos a ir contra a corrente dos fundamentalistas raivosos e fanáticos, que infestam nossa política.

O fato é que, agora temos mais um motivo para ler a revista. Parabéns pela iniciativa da Carta Capital e ao Jean pelo belo texto.

Comentários

  1. O mesmo estado que elegeu Jean Wyllys é o mesmo que elegeu o Bolsonoro. Curioso, não?

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  2. Aliás, sobre o texto, achei que o Jean se expressou de forma muito sensata e respeitosa. É o tipo de postura que deve ser seguida para que os grupos LGBT também não pendam para o fanatismo porque isso só gera mais ódio.

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