Avaliados em levantamento da Unesco, os livros raramente citam outras doutrinas, como a espírita. Algumas das obras ainda demonstram preconceito contra homossexuais e ateus
Se o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras deve promover a diversidade e vedar o proselitismo, conforme determina a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, os livros didáticos da disciplina estão reprovados. Numa amostra de 25 obras publicadas pelas maiores editoras do país, é clara a hegemonia cristã, ocupando 65% do conteúdo abordado, contra 3% de componentes ligados a religiões espíritas ou afro-brasileiras, por exemplo. Em relação aos líderes religiosos e seculares mencionados nos livros, Jesus aparece vinte vezes mais que Martinho Lutero, para citar uma referência no protestantismo. Pior: alguns grupos são alvos de discriminação nas obras, como os homossexuais e os ateus.
As constatações fazem parte de uma pesquisa inédita — encomendada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) à Universidade de Brasília e à organização não governamental Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) — que será apresentada hoje em Brasília. Uma das autoras do estudo, a antropóloga Debora Diniz destaca a falta de pluralidade nos livros como um indicativo de que as aulas têm viés claramente proselitista. “Que diversidade um ensino religioso cristão e confessional, não compatível com um Estado laico, pode mostrar?”, questiona.
Como o material da disciplina, embora de oferta obrigatória nas escolas, não é distribuído pelo Ministério da Educação (MEC), por entender que o ensino religioso deve ser regulado pelas secretarias estaduais, os pesquisadores escolheram analisar obras de grandes editoras(1). “Não pegamos livros feitos em fundo de quintal. São editoras adotadas pelo MEC em outras matérias, como português ou matemática”, explica Debora. Para ela, o fato de quase 80% da população brasileira se declarar católica, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não é uma justificativa plausível para o cristianismo majoritário nas publicações didáticas. “Não estamos falando de livros de catecismo, mas sim de ensino religioso para a diversidade, e não de educação religiosa para a maioria.”
Remí Klein, coordenador do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, entidade que articula ações na área, reconhece a precariedade dos livros. “Fiz uma pesquisa recente com algumas editoras e realmente verificamos pouca diversidade abordada. Veja que a cultura afro e indígena, justamente as duas matrizes que são a constituição do nosso povo, aparecem muito pouco”, afirma Klein. De acordo com ele, que também dá capacitação a professores, o mais difícil é ensiná-los a abordar o tema. “Há um hiato na formação dos docentes. Eles entendem o que a LDB diz sobre a pluralidade, mas não sabem aplicar num plano de aula ou numa realidade concreta”, afirma.
A professora Maria Luiza Rodrigues prefere não correr riscos. Com 15 turmas de ensino religioso numa escola pública da Asa Sul, ela produz o material a ser utilizado em sala. No armário, mostra dezenas de coleções sobre as mais variadas religiões nas quais se inspira. “Direciono minhas aulas para a questão da cidadania. Até a introdução da apostila do Detran, que é uma lição de civilidade, eu utilizo. E falo para os alunos que eles não vão estudar nada de cunho divino aqui, o que eu cobro é um pouco do que eles precisarão saber para tirar carteira”, diz a professora. Aos estudantes que se adiantam em declararem-se ateus, Maria Luiza tem a resposta na ponta da língua: “Não tem problema ser ateu, só não pode ser à toa”, brinca.
Algumas referências desrespeitosas a determinados grupos da sociedade também foram verificadas na pesquisa. Entre os 25 livros que compuseram a amostra, apenas um trata da homossexualidade, utilizando expressões como “desvio moral” e “não natural” para abordar o assunto. Ao fim da passagem, o questionamento: “Se isso se tornasse a regra de conduta humana, como a humanidade se perpetuaria?”. Em outra passagem da mesma obra, um texto com o título “Quem matou Deus?”, sobre agnósticos, é ilustrado com foto de um campo de concentração. Para o presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), Daniel Sottomaior, o ensino religioso nas escolas nem deveria existir. “Nossa sociedade não tem capacidade de oferecer essa disciplina sem haver proselitismo, como a lei determina”, lamenta. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi procurada pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos feitos.
1 - Empresas grandes
As editoras seculares cujos livros de ensino religioso passaram pela análise dos pesquisadores foram FTD, Ática, Saraiva, Moderna e Dimensão. As editoras religiosas foram Scipione, Vozes, Paulus, Paulinas, Vida e Loyola. As obras estudadas são indicadas para ensino fundamental e médio.
Fonte: Correio Braziliense
É como eu já havia dito Aqui, de laico o Brasil tem muito pouco, ou quase nada. Os religiosos por serem maioria, se consideram no direito de ditar regras e comportamentos, pior, no final da contas, é isso mesmo o que acontece. A coisa por aqui é tão bizarra nesse sentido, que o dia que se comemora o descobrimento do Brasil, dia 22 de abril, não é feriado, mas no dia 12 de outubro, onde se comemora o dia da "padroeira" do Brasil, nossa(?) Sra. de Aparecida, é feriado, só para citar um exemplo dentre outros vários que temos. Alguém pode me explicar esse disparate? O governo ainda tem a pachorra de dizer que somos laicos? Somos no papel, porém, na prática a coisa é beeeemmmmm diferente.
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