O que motiva animais e humanos a terem relações homossexuais?

Os segredos no fim do arco-íris

O que motiva animais e humanos a terem relações homossexuais? O colunista Jerry Borges discute estudos recentes e defende que o tema não deve ser tratado como tabu, e sim estudado cientificamente como qualquer outro fenômeno natural.

Por: Jerry Carvalho Borges

O interesse por indivíduos do mesmo sexo está amplamente documentado em invertebrados e em todos os grupos de vertebrados. Entre esses seres, há diversas espécies cujos representantes cortejam, copulam e, menos frequentemente, estabelecem relações duradouras com parceiros do mesmo sexo.

Um levantamento realizado por Bruce Bagemihl,  pesquisador canadense da Universidade da Colúmbia Britânica (UBC), documentou, a partir de uma análise da literatura, a ocorrência de relações entre indivíduos do mesmo sexo em pelo menos 450 espécies. Contudo, apesar da difusão desse comportamento, o interesse por indivíduos do mesmo sexo tem sido considerado um enigma para os estudiosos do assunto.

Por que animais se dedicariam a comportamentos sexuais que não resultariam em sua reprodução, e não produziriam descendentes que poderiam perpetuar a sua herança genética desses seres?

Pesquisas realizadas indicam que há vários fatores associados ao interesse entre indivíduos do mesmo sexo. Nos golfinhos nariz-de-garrafa (Thursiops sp.), frequentemente citados por exibirem esse comportamento, cerca de metade dos machos formam casais duradouros entre si.

Casais femininos também são observados. Exemplos comuns são os carneiros selvagens (Ovis canadensis), os bonobos (Pan paniscus) e os albatrozes (Phoebastria immutabilis).

A ocorrência de relações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo pode, nesses animais, diminuir as tensões e a agressividade e auxiliar na manutenção da coesão social e no fortalecimento das relações entre indivíduos de uma mesma população.

Esse comportamento pode também auxiliar na criação da prole desses animais, facilitando a alimentação e proteção dos filhotes. É provável que a formação desses casais também confira aos animais proteção contra predadores e um maior sucesso na caça de suas presas. Assim, esse tipo de comportamento estaria associado com um processo de seleção consanguínea.

Uma explicação alternativa alega que esse comportamento diminuiria agressões e conflitos entre sexos. Um exemplo é observado nos peixes mexicanos Girardinichthys multiradiatus, que simulam a aparência de fêmeas para evitar a agressão de machos maiores e, ao mesmo tempo, garantir o acesso a fêmeas.

Uma interação interessante entre indivíduos do mesmo sexo é observada entre cobras-garter (Thamnophis sirtalis parietalis). Nesses animais, alguns machos mimetizam o tamanho, os comportamentos e os ferômonios de fêmeas para poderem atrair outros machos e, assim, obter aquecimento e proteção.

Proteção e aprendizagem

Entre os pinguins antárticos (Pygoscelis antarticus), os carneiros (Ovis aries) e os peixes-zebra (Taeniopygia guttata), as relações entre indivíduos do mesmo sexo são observadas em animais mantidos em cativeiro. Parece que o estabelecimento de condições artificiais e o desbalanceamento sexual desses animais possam ser condições preponderantes para a ocorrência desse tipo de comportamento.

Por outro lado, o estabelecimento de relações entre machos de sapos (Bufo bufo) e de peixes lebistes (Poecilia reticulata) pode ser uma estratégia empregada por animais jovens ou submissos para evitar comportamentos agressivos de indivíduos dominantes.

A ocorrência desse comportamento pode proporcionar a chance para que machos jovens possam aprender com indivíduos mais experientes a arte da corte e outras estratégias associadas à reprodução. Essa prática é observada entre flamingos rosa (Phoenicopterus ruber).

Por outro lado, algumas das interações entre indivíduos do mesmo sexo não podem ser explicadas dessa forma simplista. Contudo, nas últimas décadas a ciência tem começado a desvendar parte dos mistérios associados com as alterações genéticas e fisiológicas associadas com esse tipo comportamento. Curiosamente, as primeiras pistas para a solução desse enigma foram descobertas em um ser vivo bem mais simples que os citados anteriormente: a mosca-das-frutas, ou drosófila.

Pesquisas com moscas-das-frutas indicam que ocorrem várias mutações que afetam os receptores de feromônios sexuais, essenciais para a distinção entre os sexos nesses insetos. Isso pode fazer com que machos e fêmeas cortejem indivíduos do seu próprio sexo, sem perder o interesse por moscas do sexo oposto.

Nessa espécie, uma das alterações mais estudadas ocorre no gene conhecido como genderblind (algo como ‘cego para o gênero’, em inglês), associado com os níveis extracelulares de glutamato. Esse neurotransmissor regula o processamento da informação feromonal nos neurônios cerebrais dos machos de drosófila, e a alteração torna esses insetos incapazes de distinguir indivíduos do sexo oposto.

Assim, as moscas que apresentam a mutação passam a fazer a corte a machos e fêmeas de forma indiscriminada. É interessante notar que a presença de etanol também aumenta o interesse entre machos.

E entre nós, humanos?

No início da década de 1990, causou bastante controvérsia a publicação da pesquisa de Dick Swaab e Michel Hofman, do Instituto de Neurociências da Holanda, examinando as diferenças cerebrais entre homens heterossexuais e homossexuais. De lá para cá, a compreensão da contribuição genética, hormonal, neurofisiológica e social para a orientação sexual humana tem se acumulado.

Alguns estudos que analisam a orientação sexual de gêmeos monozigóticos, dizigóticos e irmãos adotivos indicam que a tendência à homossexualidade possui um componente hereditário e poderia conferir ganhos adaptativos, pelo menos para homossexuais masculinos.

Contudo, ainda há um enorme desconhecimento em relação tanto a essas características genéticas quanto em relação às numerosas influências do ambiente sobre a determinação da orientação sexual de cada indivíduo.

Apesar disso, há indícios da ocorrência de uma associação entre a homossexualidade e genes presentes no braço longo do cromossomo X (Xq28). Brian Mutanski, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), realizou um estudo com 456 indivíduos de 146 famílias que possuem dois ou mais irmãos homossexuais.

Os resultados indicam que várias regiões dos cromossomos não sexuais também influenciam o comportamento homossexual. Contudo, a equipe de Mutanski não observou uma associação entre a região Xq28 e a homossexualidade.

Outros estudos afirmam que a ocorrência de gestações anteriores de fetos do sexo masculino poderia aumentar a probabilidade da ocorrência de homossexualidade nos próximos filhos homens.

Segundo uma pesquisa realizada por Anthony Bogaert, da Universidade de Brock, no Canadá, os fetos masculinos podem ser expostos a anticorpos maternos antimasculinos, que se acumulariam em gestações múltiplas desse sexo e que, assim, poderiam afetar a diferenciação sexual e o desenvolvimento cerebral dessas crianças.

A associação entre homossexualidade e ativação por feromônios também está no foco de vários pesquisadores, como, por exemplo, Ivanka Salic, da Universidade Kariolisnka (Suécia). Segundo Salic, nos cérebros de homossexuais do sexo masculino, há regiões ativadas em resposta a derivados da testosterona, e que apresentam propriedades similares às dos feromônios.

Em homossexuais do sexo feminino, Salic também observou que há regiões similares ativadas por derivados de estrógenos. Outros pesquisadores também associam o comportamento homossexual com alterações anatômicas em conexões da região cerebral da amígdala.

Apesar da enorme complexidade associada às manifestações comportamentais em nossa espécie, algumas das hipóteses citadas anteriormente para justificar relações homossexuais entre animais podem ser também aventadas para explicar esse comportamento entre os humanos.

Assim, a ocorrência de relações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo também poderia, na nossa espécie, estar associada à manutenção da coesão social e no fortalecimento das relações entre indivíduos de uma mesma população. Um possível exemplo desse comportamento seriam as interações entre os guerreiros de Esparta, na Grécia antiga.

A interação entre indivíduos do mesmo sexo como oportunidade para que os jovens aprendam com indivíduos mais experientes também poderia estar associada a comportamentos humanos. Um exemplo para tal também está na Grécia antiga, nas relações entre os discípulos e seus mestres filósofos em Atenas.

Sergey Gavrilets e William Rice, da Universidade do Tennessee, nos Estados Unidos, têm estudado os genes que podem influenciar o homossexualismo humano. Esses pesquisadores têm observado que esse comportamento, como seria de se esperar, é bastante complexo e está associado com um grande número de genes. Mas ainda não é possível apontar, para a nossa espécie, razões adaptativas associadas a esse comportamento.

E, para além de eventuais fatores biológicos que possam estar associados à orientação sexual na espécie humana, devemos ter sempre em mente que ela é influenciada também por inúmeros fatores ambientais e pela história de vida de cada indivíduo.

Deve ser compreendido claramente que a homossexualidade na espécie humana é um processo extremamente complexo e delicado de ser estudado.

Esse fenômeno não deve ser tratado como tabu, e deve ser investigado cientificamente – sem restrições ou censura – como outras manifestações comportamentais para que possamos conhecer mais profundamente as características que nos tornam humanos.

Nesse sentido, a compreensão dos papéis dos diversos tipos de relacionamentos entre indivíduos do mesmo sexo e a adaptação ecológica e evolutiva das populações nas quais esse fenômeno ocorre pode enriquecer a nossa compreensão sobre como a seleção natural molda as interações sociais, a reprodução e mesmo a morfologia das espécies.


Fonte: Ciência Hoje

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